domingo, 25 de maio de 2014

Protestar também se aprende. Por Juliana Doretto

Muitos voos chegaram ao mesmo tempo ao aeroporto internacional de Lisboa naquela madrugada. Isso, somado à escassez de profissionais usual nessa hora do dia, deu origem a uma longa fila de passageiros à espera de um carimbo no passaporte.
Foi quando um jovem brasileiro à minha frente soltou a frase:
- Só podia ser em Portugal.
Ao que um funcionário do aeroporto, que organizava a fila, respondeu:
- Só podia ser em Portugal o quê?
E o brasileiro fingiu não ser com ele. Coragem espantosa...
Nova cena: eu conversava com um estudante brasileiro que mora na França, à espera do ônibus que nos levaria ao aeroporto e ao avião rumo a Paris.
- Não sei como você aguenta morar aqui (em Portugal). Nada funciona.
Uma afirmação vinda do alto da experiência de quem percorreu Lisboa por uns dias...
Como vê, caro leitor, a revolta que sentirá neste meu texto não veio à toa nem me atacou de uma hora para outra. Com a questão da Copa, temos falado do nosso complexo de vira-lata –ou de megalomaníaco, como Ruth de Aquino apontou na semana passada –, mas aqui em Portugal ficou claro que essa possível característica nossa tem endereço certo.
(Apesar de que, se esses meus amigos aí de cima tivessem antepassados portugueses, talvez não hesitassem em emitir um passaporte luso, para pegar a fila menor.)
E isso mostra que, antes de protestar, temos de aprender a protestar contra o quê.
Não há países perfeitos. Há nações mais desenvolvidas e igualitárias que nós, e podemos copiar suas ações acertadas. E, gostem os meus supracitados interlocutores ou não, Portugal, mesmo com a crise profunda, está à nossa frente em uma série de requisitos. E em outros está atrás, em pontos tão diferentes como a legislação da adoção por gays e a qualidade na teledramaturgia. Mas aqui a desigualdade social é brutalmente menor do que a nossa, e é nessa meta global que deveríamos focar nossos esforços.
Sabemos que os protestos contra a Copa vieram tarde – o dinheiro já está gasto. Mas pelo menos vieram, e desejo que continuem depois desse Mundial e de vários outros. Espero que os ataques ao poder público que vemos nas redes sociais se prolonguem num voto consciente. Mas, sobretudo, aguardo que essa consciência se multiplique em pequenos atos. Não precisamos de cartazes com bordões vazios. Necessitamos de gente que saiba o que está falando.
Essas ações simples vão desde mirar-se nos bons exemplos dos demais países do globo a, por exemplo, deixar a empregada doméstica faltar um dia para acompanhar uma reunião de pais na escola em que a filha estuda. Não censuro quem coloca os filhos em uma escola particular: não sou hipócrita. Meus pais não tinham como fazê-lo e não desistiram até que os filhos conseguissem bolsa de estudos no secundário, porque sabiam que teríamos mais chance de entrar numa faculdade pública. Mas isso não quer dizer que não possamos ajudar quem depende da escola municipal da periferia.
Usar o ônibus ou o metrô, para ver o que realmente deve ser mudado, e o que pode ser mantido, me parece melhor do que segurar um cartaz com uma frase genérica: “Melhor transporte público”. Conheço gente que não o faz por causa do cheiro do “busão”: há nele trabalhadores braçais, que literalmente suam para conseguir seu salário. Eles merecem respeito. Há gente assim também no metrô de Paris, mas talvez o encantamento dessas pessoas com a Cidade-Luz as tenha impedido de observar isso.
Meu pai é tratado do seu melanoma totalmente no Sistema Único de Saúde. Demora, tem fila, mas é bem-feito. E isso não quer dizer que no pronto-socorro, ao lado, não tenha gente agonizando na cadeira por falta de profissionais ou de leito. Conhecer essa realidade me possibilita dizer que, faltam, por exemplo, médicos de família e centros de saúde nas cidades pequenas. E que o programa “Mais Médicos” tem razão para existir.
Há a solução de emigrar para outros países: o ator Wagner Moura disse recentemente que “não está dando para viver aqui (no Brasil)". É a decisão dele, mas a campanha “o último que sair apague a luz” não vai resolver nada.  Olhemos para o que há de bom lá fora; observemos o que fazemos bem; e descubramos o que pode ser melhorado em cada ação nossa do dia a dia. Sem bordões vazios; sem deslumbramento com a Suécia. Sem arrogância com Portugal. Sem complexo de vira-lata, sem megalomania.
Em tempo: estou aqui estudando com uma bolsa concedida pelo governo brasileiro. Minha obrigação é voltar e retribuir o investimento que o país fez em mim no desenvolvimento científico nacional. E também levar ao Brasil o que vi de bom e não repetir o que tive como experiência ruim. Esse texto é uma tentativa de fazê-lo.
O texto foi originalmente publicado em: http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ruth-de-aquino/noticia/2014/05/protestar-btambem-se-aprendeb-por-juliana-doretto.html

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Vocação é coisa só de padres e freiras?

À saída da aula o professor dizia-nos que a carreira a que aspiramos é muito mais interessante do que a de um contabilista, cujo trabalho é frio e monótono. Um projeto que desenvolvera tinha acabado de levar uma “nega” de um “cliente”, então eu não consegui sentir o mesmo entusiasmo pela área e dei por mim a invejar a vida de um contabilista.
Qualquer trabalho na área das chamadas ciências sociais, ou humanidades como era no meu tempo, tem muitos imponderáveis e o seu sucesso é demasiado subjetivo. Pelo contrário, os números são certos e constantes, o resultado é só um e se seguirmos todos os passos, não temos como falhar.
A rejeição das minhas ideias fez-me duvidar das minhas capacidades. “Se calhar não tenho talento ou vocação para isto”, pensei. Será que todos temos uma vocação? Há quem tropece numa carreira e há quem se prepare para uma. Curiosamente, conheço casos de quem se preparou e que, cedo ou tarde, se decepcionou com a escolha.
Uma pessoa que me é muito próxima confessou-me no outro dia que já não gosta daquilo que faz, mas que continua a trabalhar porque precisa de pagar as contas. Sempre tive dificuldade em aceitar este tipo de fatalismo, por isso mudei tantas vezes de emprego. Acho que é um espírito comum à minha geração, esta exigência que o trabalho seja mais do que um meio de pagar as contas. Contudo, não consigo encontrar algo em que sinta que encaixo que nem uma luva. Talvez eu esteja é a perder a fé em mim mesma.

sábado, 10 de maio de 2014

A criança que há em nós

Num workshop o formador dizia que era ainda uma criança, apenas com uma barriga maior e brinquedos mais caros. Poderia aproveitar a deixa para discorrer sobre algo que as mulheres há muito reclamam e que só poucos homens têm a coragem de admitir, mas não o farei (por ora). Na realidade, considero que alimentar a nossa criança interior é algo saudável e rejuvenescedor.
É natural que mantenhamos uma ligação à nossa infância porque certos sonhos de criança apenas nos são possíveis de realizar em adultos. Os rapazes brincam às corridas de carros e as meninas às casinhas, ambos têm de esperar, até tirar a carta e poder alugar ou comprar casa, respectivamente. E quem de nós, que não teve a possibilidade em criança, não deseja ir à Disney?
Para além disso, ser adulto é lidar com uma série de desafios e obrigações a que éramos poupados em criança, mas ser responsável não deveria tirar-nos o direito a cometermos eventuais imprudências. Há uma exigência de seriedade e perfeição castradora que a sociedade nos impõe quando na realidade é do erro que se constrói a sabedoria e é da irreverência que nasce a inovação.
Adoro brincar com a minha sobrinha. Fico maravilhada com a forma como aquela cabecinha pensa e vê um escorrega nas pernas da mãe e arrisca subir os móveis sem medo. É essa criatividade e intrepidez que eu busco para mim. É esse o espírito dos empreendedores, dos engenhocas e dos artistas. 
Então, convido-vos a todos a escutarem a vossa criança interior e descobrirem formas de serem ainda mais felizes. 

sábado, 3 de maio de 2014

The Hills are Alive

O meu aniversário a aproximar-se e a procura por emprego só contribui para me sentir mais velha. Proliferam as ofertas para estágios não remunerados ou do IEFP e a idade limite é colocada nos 30 anos. Apraz-me dizer que, em primeiro lugar, já se fazia uma revisão à eficácia dos estágios profissionais na empregabilidade dos jovens, em segundo lugar, com os avanços na saúde e na estética os 30 são os novos 20, e em terceiro lugar, se é aceitável aumentar a idade da reforma, porque é que acham que uma pessoa com mais de 30 não pode começar uma nova carreira?
Nos meus vinte, quando procurava o meu primeiro emprego, enfrentei o problema de não ter experiência suficiente, agora tenho experiência e formação académica a mais. Já nem voltar para uma recepção consigo. Neste caso julgo que o factor idade está a ser considerado relativamente ao aspecto físico da candidata. Devem julgar que a foto que coloco no CV não é atual, mas é. Não pareço mesmo ter 31 (a caminho dos 32). Se não tiverem em conta o meu nível elevado de colesterol, estou em forma!
Quando sou atendida tratam-me sempre por “Menina”, até já apanhei um “Jovem” que me deixou em dúvida, mas lá admiti porque, enfim, valoriza a minha cútis.
Vou começar a incluir no meu CV fotos com o jornal do dia, como nos raptos, para os recrutadores terem a certeza que é uma foto atual.
Estou a brincar com a situação, mas o facto é que a inexorável marcha do tempo assusta-me e sinto que as portas só terão tendência a se fecharem a meu redor e já não sei para onde me virar. Brincando com o meu pai, disse-lhe que estava a considerar ser freira porque é um “emprego” que inclui casa, comida e roupa lavada. Outra hipótese é roubar um banco e nesse caso ou sou bem sucedida e fujo com o dinheiro, ou vou presa e também fico com casa, comida, roupa lavada e sou capaz de aprender uma profissão num programa de reabilitação.

A propósito, o meu pai respondeu que já tinha pensado na possibilidade de eu me tornar freira e pareceu-me demasiado entusiasmado com a ideia. Na realidade outra porta que se fecha com o avançar da idade é a de casar e ter filhos, por isso não é uma ideia tão absurda. Se ao menos tivesse uma carreira para me servir de “janela” ... (É uma referência a uma frase do filme “Música no Coração”:  “When God closes a door, somewhere he opens a window”. Perceberam ou eu sou mesmo muito velha e vocês nunca viram este filme no Natal?)