segunda-feira, 28 de julho de 2014

Do Turismo

Lisboa, e Portugal no geral, tem recebido distinções internacionais como destino turístico. Contudo, o estudo do turismo não merece o mesmo respeito no meio académico, que outras áreas de investigação.
O turismo faz-se, não se estuda. Era essa a noção com que me deparei quando iniciei a Licenciatura em Turismo e os amigos me perguntavam se eu estava a estudar para ser turista.
Uma década depois, continuo a ter dificuldade em que me levem a sério fora da Universidade do Algarve. Duas tentativas falhadas para conseguir uma bolsa da FCT, pensei tentar o crowdfunding, mas os gestores da plataforma não estão recetivos.
Só a partir do reconhecimento científico do Turismo conseguiremos o respeito pelos seus profissionais e conseguiremos ser campeões na hospitalidade.

domingo, 20 de julho de 2014

O corpo perfeito e a realidade. Por Juliana Doretto

Chegou o verão aqui na Europa e, com ele, o meu desconforto em usar biquíni. Ir à praia para mim é sempre revelar em público as limitações do meu corpo: a gordura indesejada na barriga; as coxas volumosas demais; a celulite; as estrias...
Com o tempo, a imensidão do mar e a calmaria que ele me traz me fazem esquecer, por momentos, a protuberância na região abdominal. Mas, antes disso, na hora de tirar o short, vêm uma certa vergonha e a lembrança das horas não passadas na academia.
Cuido da alimentação e não sou nada sedentária, apesar de detestar os instrumentos de tortura da musculação. Mas Deus ou a genética ou minha dieta (ou os três) deram-me gordura em locais que me fazem fugir do corpo escultural. E, pelo que olho na praia, a Divina Providência fez várias mulheres assim, como eu.
Nas mais novas, a barriga “chapada” é minoria. Nas mais velhas, há marcas da gravidez e da gravidade. Mas não somos nós, com quilinhos demais e músculos rijos de menos, que aparecemos nas capas de revista e no cinema.  Pelo menos não nos dias de hoje.
Estava num posto de gasolina do Algarve, região com praias magníficas, no sul de Portugal, quando entrou na loja de conveniência uma moça com padrões corporais iguais aos das revistas vendidas ali também. Eu, que fui atendida depois da bela senhora, ouvi os comentários dos funcionários sobre as suas qualidades físicas. Eles falavam, nem sempre com palavras muito suaves, de seu corpo escultural, da sua boa altura, de suas curvas bem desenhadas.
Então, parece que nem sempre os estereótipos ficam só nas fotografias das modelos: os homens, de vez em quando, os incorporam.
Gostaria de dizer que as mulheres aceitam o corpo que têm e o que escrevo aqui tem a ver apenas com as minhas inseguranças. Mas os relatos que ouço de outras mulheres me fazem pensar que não estou sozinha nessa sensação.
A observação também me ajuda na confirmação dessa tese. A praia europeia permite o topless. Não é escolha da maioria, mas também não é opção só das que se encaixam nos padrões de beleza contemporâneos. Há mulheres com mais idade (e mais ação da gravidade) de peito nu. E há as que estão “com tudo em cima”, seja lá o que for esse “tudo” e esse “em cima”.
O olhar dos homens banhistas é, em geral discreto, feito de modo a não despertar a atenção daquela que está sendo admirada. As mulheres, por sua vez, fixam os olhos no peito alheio. O que pensarão elas? Reprovação pela seminudez? Inveja dos seios rijos? Desejo de ter coragem de fazer o mesmo? De todo modo, é inegável que o espelho do corpo feminino alheio desperta reações nas mulheres.
De volta à cidade, me olho no espelho de casa, protegida dos olhos públicos. Viro, desviro. Vejo as gordurinhas que me incomodaram na praia. Relativizo algumas, confirmo o desgosto por outras.
Pondero: caminho seis quilômetros, três vezes por semana. Busco, sempre que possível, seguir a dieta mediterrânea. Não irei muito além disso: é o que estou disposta a fazer pela saúde e pela forma. Se decido não gastar mais horas com meus músculos, o que posso fazer? O jeito é aceitar o que sou, comprar uma roupa de banho confortável e me entregar ao mar. Dentro dele, nem me lembro de que tenho um corpo.
Texto originalmente publicado em: http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ruth-de-aquino/noticia/2014/07/bo-corpo-perfeitob-e-realidade-por-juliana-doretto.html

domingo, 13 de julho de 2014

Os pequenos prazeres da vida

A vida é uma luta constante. Andamos sempre num lufa-lufa quotidiano que nos esquecemos de aproveitá-la. Viajar é um pequeno prazer ao qual eu não tenho tido oportunidade aceder como seria de esperar de alguém que se formou em Turismo (ainda que no ramo de marketing). É como diz o ditado: "em casa de ferreiro, espeto de pau".
Este fim-de-semana, por força de querer ser uma boa anfitriã, vi-me a passear pelo Algarve e deleitar-me com a sua gastronomia e beleza natural.
Viajar também é um ótimo contexto para desenvolver laços de amizade, novos e antigos.
Adorei o nosso passei,o Juliana e Raquel!

domingo, 6 de julho de 2014

Parabéns Laura!

Hoje foi um dia muito especial para a família Serrenho-Dias. A nossa princesa completou 2 anos e recebeu o sacramento do batismo. Foi uma cerimónia simples e bonita e uma festa alegre com a inestimável presença dos nossos queridos amigos e família. Mesmo quem não pôde comparecer, não deixou de nos enviar mensagens de parabéns.
A minha pipoca doce estava muito fofa, no seu vestidinho branco com laço castanho e os seus caracóis a emoldurar a sua carinha. Como é pequenina, tive receio que não conseguisse apreciar tudo o que preparámos para ela, mas quando cheguei a casa e lhe perguntei se tinha gostado da festa, ela respondeu que sim.
A mãe foi batizada ainda em bebé, mas eu tinha a idade da Laura. À falta de foto da Laura, aqui fica uma do meu batizado. Dizem que ela é parecida comigo ;)

domingo, 29 de junho de 2014

Ir a banhos

Sendo algarvia, da zona litoral, é um pouco importuno para mim ter de fazer um percurso de mais de meia hora de carro para molhar os pézinhos, porém existem outros atrativos que não encontro em Portimão.
A minha zona favorita de veraneio é a de Cascais/ Estoril, pois culmino sempre o meu dia com um gelado no Santini e um passeio para ver as pitorescas villas de tempos mais afortunados.
Outra alternativa é ir para a Costa da Caparica. Aí já é um programa de família, que normalmente inclui um almoço no restaurante do Barbas (embora eu seja simpatizante do Sporting), onde recentemente degustámos açorda de lagosta.
Onde também se come bom marisco é em Sesimbra. O areal é convidativo, embora depois tenhamos de subir a ladeira se não encontrarmos lugar para estacionar lá perto.
Também fui à outra margem, ao portinho da Arrábida. Mais um percurso para testar a nossa forma física, mas é um regalo para os nossos olhos. Só não petisquei por lá, por isso não posso dar o meu voto, mas afiançam-me que é de provar.
Sim, por cá, ir a banhos contempla comes e bebes, devido à distância a que fica da nossa própria cozinha, porém sempre podemos optar (a crise a isso incentiva) a levar um farnel.
Bons banhos!

domingo, 22 de junho de 2014

Toda mulher é meio Carrie Bradshaw. Por Juliana Doretto

A série “Sex and the City” estava no auge, mas eu não estava. Era início dos anos 2000, e, no meio do curso universitário, acreditava que aquelas quatro americanas nada tinham a ver com meu presente nem diziam nada sobre meu futuro.
Mas a história anda, e dez anos depois, redescubro o programa, em madrugadas insones e sem Copa da Mundo na TV portuguesa, defronte à minha tela de 14 polegadas.  E só então entendo de onde veio o sucesso.
As roupas de Carrie Bradshaw ajudam, é claro, mas – infelizmente –, não é com o seu guarda-roupa que me identifiquei. Aos 20, quando o programa era febre, eu acreditava numa regra que até então tinha funcionado em minha vida: “Esforce-se e terá”.
Com isso, eu tinha atingido todos os meus objetivos, que eram modestos, mas me pareciam enormes naqueles anos: a universidade disputada, o primeiro salário, o emprego no jornal. Até nos namoros as coisas iam bem.
Como não ter o casamento perfeito, Charlotte York? “Esforce-se e terá”. Como você pode ficar tanto tempo sozinha, Miranda Hobbes? “Esforce-se e terá”. Como não consegue se adaptar a Paris, Carrie? Já sabe o lema...
Depois de um divórcio (unilateral, e o lado não foi o meu), de uma passagem frustrada pela Europa do leste, de decepções no trabalho, de uma lista de recusas em revistas e congressos acadêmicos – e de muitas sessões de terapia –, eu aprendi que a regra do “Esforce-se e terá” tem seus furos (e eles podem ser mesmo enormes). O que não me fez deixar de insistir no mantra, veja bem. Mas percebo hoje que às vezes não se consegue “ter”, por maior que seja o empenho. E que a vida não se torna menos suportável por conta disso.
Acompanhar as desventuras das quatro amigas virou rotina sagrada, e a cada episódio eu via todas as minhas idiossincrasias nos relatos das americanas. O sonho de Charlotte de se casar novamente, de noiva (quero sim, por que não?); sua vontade de ser mãe (meu relógio biológico faz tique-taque); a reviravolta nos objetivos de Miranda (a carreira é meu norte, mas eu também preciso de todos os outros pontos cardeais); a descoberta do prazer do corpo de Samantha (sim, senhora, tudo tem ficado melhor com a idade...).
Eu não sei como Carrie consegue sustentar seu estilo de vida sendo apenas colunista de um jornal mediano, nem como seu apartamento pequeno pode guardar tantas roupas. Aliás, ninguém precisa de tanta grife. (O que não quer dizer que comprar um par de sapatos de sonho não faça bem. Como me disse uma amiga: “Comprar acalma...”). Mas não é isso que importa. Quero sim uma vida com um pouco de glamour, mas desejo sobretudo o conforto de me saber (e de me dizer) complicada.
Não é uma questão de idade: nem todas as mulheres de 30 mostram suas contradições com certo orgulho, conscientes do drama que é viver. Há gente com 20 que já virou essa chave, e outras com 50 que ainda não a descobriram, e gostam de se vender como se fossem planas como uma dessas TVs que se anunciam em época de Copa. Que gente mais chata...
Eu não gosto do drinque Cosmopolitan (ícone da série), mas sinto uma imensa necessidade de tomar café com amigas e contar meus dilemas, vitórias e desgostos, assim como as protagonistas. Fingir choro, provocando riso. Chorar de verdade, despertando carinho. Fofocar, contar, gargalhar. Eu fazia isso aos 20, mas agora já sei que, com certas amigas, poderei ter esse tipo de conversa a vida inteira. E isso é tão bom...
Texto originalmente publicado em: http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ruth-de-aquino/noticia/2014/06/toda-mulher-be-meio-carrie-bradshawb-por-juliana-doretto.html


quinta-feira, 19 de junho de 2014

Sardinhas ou Caracóis

Bem sei que a tradição nos arraiais é comer sardinha assada sobre pão caseiro, mas apesar de ser algarvia, não vou muito à bola com o peixe, então rendo-me aos caracóis. E por falar em caracóis (e bola), a nossa seleção precisa de sair da casca. Preferia que os nossos jogadores fossem mais como as sardinhas e fossem mais difíceis de engolir.
Estes são os atuais temas de conversa nos cafés e supermercados: sardinha ou caracol e futebol. Consequentemente, esta é a altura ideal para o nosso Governo passar a perna ao povo. Estamos todos distraídos com as festas dos santos populares e com o mundial de futebol. É uma tática que vem dos tempos romanos, a política do "pão e circo" de César, para diminuir a insatisfação do povo para com os governantes.
Na realidade nós precisamos de muito pouco para sermos felizes. Basta haver sol, termos um petisco numa mão e uma cerveja na outra, e estarmos na praia ou numa esplanada a ver futebol, que ficamos consolados. Mas deveríamos antes pôr os nossos corninhos de fora para sermos nós a servir sardinhas aos governantes, daquelas bem magrinhas para as espinhas serem difíceis de engolir.
Que os Santos nos acudam!

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Lisboa em festa

Junho é um mês muito animado na cidade de Lisboa. As ruas estão enfeitadas e perfumadas com manjerico e sardinha assada, e à noite há bailarico. Esta é uma altura fantástica para se estar em Lisboa e percorrer os arraiaias dos bairros das suas sete colinas.  As pessoas é que fazem o arraial, de resto a decoração é a mesma e em todos não falta a cerveja, a sardinha e a bela da bifana. Sinais dos tempos, para além de marchas e música “pimba”, o baile tem ritmos brasileiros, o que pode parecer estranho a um incauto turista à procura da música popular portuguesa, mas este ano até que combina com o mundial de futebol.  
Desde 1982 que Lisboa está em festa não só em comemoração dos santos populares, mas também pelo aniversário desta que vos escreve. Até fico emocionada com todo o aparato e miríade de atividades festivas durante a semana para celebrar o dia do meu nascimento na próxima segunda-feira. Este ano é especial, celebro o meu “Sweet Sixteen” ... a dobrar!
Os meus trinta e um anos não me deram motivos para comemorar, mas tenho esperança que os trinta e dois me dêem mais uma oportunidade de ser feliz. Como a altura é propícia, inspiro-me numa quadra do poeta Aleixo:

Após um dia tristonho
De mágoas e agonias
Vem outro alegre e risonho:
São assim todos os dias.

Happy birthday to me!

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Até qualquer dia!

Faltam menos de 15 dias para eu completar 32 anos de existência, quatro dos quais passados aqui em Lisboa. Este será o meu último post no Viajando na Maionese, pois foi feito para partilhar as minhas experiências em Lisboa. Tudo aponta para o meu regresso ao Algarve.
Foram quatro anos de grandes emoções e aprendizagens. Fiz novos amigos e reencontrei velhos. Colhi novas experiências que não tive oportunidade de viver em mais nova. Apaixonei-me, amei e sofri.  A nível profissional tive vitórias e derrotas. Infelizmente, não consegui realizar as minhas expectativas em relação a Lisboa e deixo alguns projetos por concluir. Porém, nada me vai custar tanto como deixar de ver o sorriso da Laura todos os dias.
Ser tia foi a melhor coisa que me aconteceu enquanto estive em Lisboa. Poder acompanhar a gravidez da minha irmã, estar presente no nascimento da Laura, ouvi-la dizer as primeiras palavras, gatinhar e dar os primeiros passos. Ainda hoje não me habituei a ouvi-la chamar-me de tia. Soa-me sempre como o anúncio da minha vitória de um Óscar. Sou tia da Laura, a miúda mais querida da Bobadela e arredores!
Todos os dias ela presenteia-nos com uma novidade, uma nova palavra, um novo gesto, uma nova expressão. Na semana passada acompanhei-a a um aniversário de crianças. No quarto de brincar, coloquei-lhe uma guitarra ao peito e ela começou a mexer nas cordas com um rosto muito compenetrado, como se estivesse a fazer música. Uma menina começou a falar alto. Do nada, a Laurinha leva o dedinho indicador aos seus lábios e faz "shiuuu". Desfiz-me em gargalhadas! Estavam a interromper-lhe o concerto!
Tenho receio que ela se esqueça de mim e tenho pena daquilo que vou perder, como o primeiro dia de aulas.
A tia adora-te Laura!

domingo, 25 de maio de 2014

Protestar também se aprende. Por Juliana Doretto

Muitos voos chegaram ao mesmo tempo ao aeroporto internacional de Lisboa naquela madrugada. Isso, somado à escassez de profissionais usual nessa hora do dia, deu origem a uma longa fila de passageiros à espera de um carimbo no passaporte.
Foi quando um jovem brasileiro à minha frente soltou a frase:
- Só podia ser em Portugal.
Ao que um funcionário do aeroporto, que organizava a fila, respondeu:
- Só podia ser em Portugal o quê?
E o brasileiro fingiu não ser com ele. Coragem espantosa...
Nova cena: eu conversava com um estudante brasileiro que mora na França, à espera do ônibus que nos levaria ao aeroporto e ao avião rumo a Paris.
- Não sei como você aguenta morar aqui (em Portugal). Nada funciona.
Uma afirmação vinda do alto da experiência de quem percorreu Lisboa por uns dias...
Como vê, caro leitor, a revolta que sentirá neste meu texto não veio à toa nem me atacou de uma hora para outra. Com a questão da Copa, temos falado do nosso complexo de vira-lata –ou de megalomaníaco, como Ruth de Aquino apontou na semana passada –, mas aqui em Portugal ficou claro que essa possível característica nossa tem endereço certo.
(Apesar de que, se esses meus amigos aí de cima tivessem antepassados portugueses, talvez não hesitassem em emitir um passaporte luso, para pegar a fila menor.)
E isso mostra que, antes de protestar, temos de aprender a protestar contra o quê.
Não há países perfeitos. Há nações mais desenvolvidas e igualitárias que nós, e podemos copiar suas ações acertadas. E, gostem os meus supracitados interlocutores ou não, Portugal, mesmo com a crise profunda, está à nossa frente em uma série de requisitos. E em outros está atrás, em pontos tão diferentes como a legislação da adoção por gays e a qualidade na teledramaturgia. Mas aqui a desigualdade social é brutalmente menor do que a nossa, e é nessa meta global que deveríamos focar nossos esforços.
Sabemos que os protestos contra a Copa vieram tarde – o dinheiro já está gasto. Mas pelo menos vieram, e desejo que continuem depois desse Mundial e de vários outros. Espero que os ataques ao poder público que vemos nas redes sociais se prolonguem num voto consciente. Mas, sobretudo, aguardo que essa consciência se multiplique em pequenos atos. Não precisamos de cartazes com bordões vazios. Necessitamos de gente que saiba o que está falando.
Essas ações simples vão desde mirar-se nos bons exemplos dos demais países do globo a, por exemplo, deixar a empregada doméstica faltar um dia para acompanhar uma reunião de pais na escola em que a filha estuda. Não censuro quem coloca os filhos em uma escola particular: não sou hipócrita. Meus pais não tinham como fazê-lo e não desistiram até que os filhos conseguissem bolsa de estudos no secundário, porque sabiam que teríamos mais chance de entrar numa faculdade pública. Mas isso não quer dizer que não possamos ajudar quem depende da escola municipal da periferia.
Usar o ônibus ou o metrô, para ver o que realmente deve ser mudado, e o que pode ser mantido, me parece melhor do que segurar um cartaz com uma frase genérica: “Melhor transporte público”. Conheço gente que não o faz por causa do cheiro do “busão”: há nele trabalhadores braçais, que literalmente suam para conseguir seu salário. Eles merecem respeito. Há gente assim também no metrô de Paris, mas talvez o encantamento dessas pessoas com a Cidade-Luz as tenha impedido de observar isso.
Meu pai é tratado do seu melanoma totalmente no Sistema Único de Saúde. Demora, tem fila, mas é bem-feito. E isso não quer dizer que no pronto-socorro, ao lado, não tenha gente agonizando na cadeira por falta de profissionais ou de leito. Conhecer essa realidade me possibilita dizer que, faltam, por exemplo, médicos de família e centros de saúde nas cidades pequenas. E que o programa “Mais Médicos” tem razão para existir.
Há a solução de emigrar para outros países: o ator Wagner Moura disse recentemente que “não está dando para viver aqui (no Brasil)". É a decisão dele, mas a campanha “o último que sair apague a luz” não vai resolver nada.  Olhemos para o que há de bom lá fora; observemos o que fazemos bem; e descubramos o que pode ser melhorado em cada ação nossa do dia a dia. Sem bordões vazios; sem deslumbramento com a Suécia. Sem arrogância com Portugal. Sem complexo de vira-lata, sem megalomania.
Em tempo: estou aqui estudando com uma bolsa concedida pelo governo brasileiro. Minha obrigação é voltar e retribuir o investimento que o país fez em mim no desenvolvimento científico nacional. E também levar ao Brasil o que vi de bom e não repetir o que tive como experiência ruim. Esse texto é uma tentativa de fazê-lo.
O texto foi originalmente publicado em: http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ruth-de-aquino/noticia/2014/05/protestar-btambem-se-aprendeb-por-juliana-doretto.html

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Vocação é coisa só de padres e freiras?

À saída da aula o professor dizia-nos que a carreira a que aspiramos é muito mais interessante do que a de um contabilista, cujo trabalho é frio e monótono. Um projeto que desenvolvera tinha acabado de levar uma “nega” de um “cliente”, então eu não consegui sentir o mesmo entusiasmo pela área e dei por mim a invejar a vida de um contabilista.
Qualquer trabalho na área das chamadas ciências sociais, ou humanidades como era no meu tempo, tem muitos imponderáveis e o seu sucesso é demasiado subjetivo. Pelo contrário, os números são certos e constantes, o resultado é só um e se seguirmos todos os passos, não temos como falhar.
A rejeição das minhas ideias fez-me duvidar das minhas capacidades. “Se calhar não tenho talento ou vocação para isto”, pensei. Será que todos temos uma vocação? Há quem tropece numa carreira e há quem se prepare para uma. Curiosamente, conheço casos de quem se preparou e que, cedo ou tarde, se decepcionou com a escolha.
Uma pessoa que me é muito próxima confessou-me no outro dia que já não gosta daquilo que faz, mas que continua a trabalhar porque precisa de pagar as contas. Sempre tive dificuldade em aceitar este tipo de fatalismo, por isso mudei tantas vezes de emprego. Acho que é um espírito comum à minha geração, esta exigência que o trabalho seja mais do que um meio de pagar as contas. Contudo, não consigo encontrar algo em que sinta que encaixo que nem uma luva. Talvez eu esteja é a perder a fé em mim mesma.

sábado, 10 de maio de 2014

A criança que há em nós

Num workshop o formador dizia que era ainda uma criança, apenas com uma barriga maior e brinquedos mais caros. Poderia aproveitar a deixa para discorrer sobre algo que as mulheres há muito reclamam e que só poucos homens têm a coragem de admitir, mas não o farei (por ora). Na realidade, considero que alimentar a nossa criança interior é algo saudável e rejuvenescedor.
É natural que mantenhamos uma ligação à nossa infância porque certos sonhos de criança apenas nos são possíveis de realizar em adultos. Os rapazes brincam às corridas de carros e as meninas às casinhas, ambos têm de esperar, até tirar a carta e poder alugar ou comprar casa, respectivamente. E quem de nós, que não teve a possibilidade em criança, não deseja ir à Disney?
Para além disso, ser adulto é lidar com uma série de desafios e obrigações a que éramos poupados em criança, mas ser responsável não deveria tirar-nos o direito a cometermos eventuais imprudências. Há uma exigência de seriedade e perfeição castradora que a sociedade nos impõe quando na realidade é do erro que se constrói a sabedoria e é da irreverência que nasce a inovação.
Adoro brincar com a minha sobrinha. Fico maravilhada com a forma como aquela cabecinha pensa e vê um escorrega nas pernas da mãe e arrisca subir os móveis sem medo. É essa criatividade e intrepidez que eu busco para mim. É esse o espírito dos empreendedores, dos engenhocas e dos artistas. 
Então, convido-vos a todos a escutarem a vossa criança interior e descobrirem formas de serem ainda mais felizes. 

sábado, 3 de maio de 2014

The Hills are Alive

O meu aniversário a aproximar-se e a procura por emprego só contribui para me sentir mais velha. Proliferam as ofertas para estágios não remunerados ou do IEFP e a idade limite é colocada nos 30 anos. Apraz-me dizer que, em primeiro lugar, já se fazia uma revisão à eficácia dos estágios profissionais na empregabilidade dos jovens, em segundo lugar, com os avanços na saúde e na estética os 30 são os novos 20, e em terceiro lugar, se é aceitável aumentar a idade da reforma, porque é que acham que uma pessoa com mais de 30 não pode começar uma nova carreira?
Nos meus vinte, quando procurava o meu primeiro emprego, enfrentei o problema de não ter experiência suficiente, agora tenho experiência e formação académica a mais. Já nem voltar para uma recepção consigo. Neste caso julgo que o factor idade está a ser considerado relativamente ao aspecto físico da candidata. Devem julgar que a foto que coloco no CV não é atual, mas é. Não pareço mesmo ter 31 (a caminho dos 32). Se não tiverem em conta o meu nível elevado de colesterol, estou em forma!
Quando sou atendida tratam-me sempre por “Menina”, até já apanhei um “Jovem” que me deixou em dúvida, mas lá admiti porque, enfim, valoriza a minha cútis.
Vou começar a incluir no meu CV fotos com o jornal do dia, como nos raptos, para os recrutadores terem a certeza que é uma foto atual.
Estou a brincar com a situação, mas o facto é que a inexorável marcha do tempo assusta-me e sinto que as portas só terão tendência a se fecharem a meu redor e já não sei para onde me virar. Brincando com o meu pai, disse-lhe que estava a considerar ser freira porque é um “emprego” que inclui casa, comida e roupa lavada. Outra hipótese é roubar um banco e nesse caso ou sou bem sucedida e fujo com o dinheiro, ou vou presa e também fico com casa, comida, roupa lavada e sou capaz de aprender uma profissão num programa de reabilitação.

A propósito, o meu pai respondeu que já tinha pensado na possibilidade de eu me tornar freira e pareceu-me demasiado entusiasmado com a ideia. Na realidade outra porta que se fecha com o avançar da idade é a de casar e ter filhos, por isso não é uma ideia tão absurda. Se ao menos tivesse uma carreira para me servir de “janela” ... (É uma referência a uma frase do filme “Música no Coração”:  “When God closes a door, somewhere he opens a window”. Perceberam ou eu sou mesmo muito velha e vocês nunca viram este filme no Natal?) 

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Salve, salve, simpatia! Por Juliana Doretto

Não vou começar dizendo que os brasileiros somos o povo mais simpático do mundo. A minha saudade de casa anda tão aguda que julgo não ter, no momento, capacidade de fazer um julgamento (o mais) racional (possível) sobre o tema.
Mas posso afirmar, com letras garrafais, que nunca a falta de simpatia me provocou tanto desamor quanto neste período em que estou longe do meu lugar. Por outro lado, ando distribuindo beijos e abraços para quem tem comigo um gesto de gentileza ou afabilidade. Devem até pensar que ando louca.
Comecemos pelo lado negativo. No meu aniversário, recebi como surpresa um colorido e perfumado buquê de flores. Mas qual não foi a minha outra surpresa quando a floricultura me ligou e disse que ninguém no meu prédio quis guardar o presente até a minha chegada do trabalho. Não era um chouriço mal cheiroso ou uma escultura enorme de ferro retorcido. Era um ramo de flores, que enfeitaria a casa da pessoa bondosa por pelo menos uma tarde...
O entregador, então, passou a tentar com os vizinhos, e uma senhora de seus 80 anos, que eu não conhecia e que mora a alguns bons metros da minha casa, decidiu guardar o presente. Cheguei do meu jantar comemorativo depois das 22h e, com vergonha, apertei a campainha. Ela e o filho surgiram sorridentes e me entregaram o buquê. Acho que disse tantas vezes obrigada que eles acharam que eu não conhecia outra palavra em português.
Em uma cidade da Espanha, fui até o balcão de informações da estação ferroviária perguntar se tinham o telefone do terminal de ônibus: é de pensar que haja alguma comunicação entre esses lugares, não? “Não sei. Talvez tenha no jornal que circula pela cafeteria”, respondeu-me a encarregada. Enganei-me tanto ao imaginar que ela iria mexer no seu maravilhoso computador com internet e me passar o número?
Por outro lado, chegamos a um restaurante, para comer e passar o tempo enquanto esperávamos a demorada partida do trem. E olhe lá: não é que a dona era brasileira, paulistana “da gema”? Mesmo com a cozinha já fechada, ela preparou um prato para nós, guardou as malas para que pudéssemos fazer um passeio, e ainda brincou: “A única coisa que não faço é emprestar a minha cama para você tirar um cochilo”. Em agradecimento, abracei e beijei minha conterrânea. Acho que, acostumada a gestos mais contidos deste lado do Atlântico, ela estranhou...
E um dia eu fecho a casa com a chave lá dentro – acontece com tudo mundo, ou só comigo? – e bato na porta da vizinha em busca de um possível ajuda. Atende-me uma senhora, e lá de dentro a velhinha, dona da casa, vai logo dizendo: “Avisa que eu não tenho a chave de ninguém aqui”. Indicar um chaveiro para uma estrangeira também é difícil, né? 
Aí, você entrega o seu amado casaco de couro rasgado para o conserto. Preocupada com o estado que a peça terá após a renovação, pergunto como será feita a mudança: vai colar? vai costurar? “Minha colega sabe fazer o trabalho dela”, responde a atendente. Poxa vida, ela poderia entender: a gente desenvolve uma relação emocional com certas roupas...
E quando você sai correndo, atrasada, e a pessoa que está dentro do elevador, em vez de segurar a porta, faz aquela cara de: “Fecha rápido que eu não quero companhia”? Ou quando você impede o fechamento para alguém poder entrar, e ele entra sem dizer um “obrigado”?
Quando uma pessoa esbarra em você e não pede desculpa? Quando você sorri para o vizinho, e ele finge que não o conhece? Custa fazer um agradinho às pessoas?
Para compensar tudo isso, há um senhor que mora no térreo de um prédio mais à frente que sempre me cumprimenta com um: “Olá, viva!” e que me dá tchauzinho quando estou perto da janela, lendo. Há o entregador dos correios que me deseja “bom trabalho”. Há a caixa do supermercado que entende minha dificuldade em me livrar da nota de grande valor e me dá o troco acompanhado de um sorriso. Pequenos gestos que adornam meu dia.
Talvez o Brasil realmente exale camaradagem em maiores doses do que a Europa ou talvez eu só esteja prestando mais atenção aos mal-humorados de plantão que circulam por aqui. Por outro lado, os sinais amistosos que recebo têm tido um peso muito maior no meu dia a dia. Parece que, quando estamos privados de quase tudo que nos é familiar, um sorriso diminui o desamparo e equivale a um abraço amigo. Como diz o mestre Jorge Ben Jor, salve simpatia!
Publicado originalmente em : http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ruth-de-aquino/noticia/2014/04/salve-bsalve-simpatiab-por-juliana-doretto.html

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Da Educação II

Quando vi a notícias sobre a morte dos alunos da Universidade do Minho, o meu primeiro pensamento foi: “Mas eles não deveriam estar nas aulas?!”. Já com o caso do Meco parece que os estudantes universitários fazem tudo, menos estudar. Contudo, a experiência diz-me que estou a ser injusta, pois a Universidade dá-nos a possibilidade de aprender algo que não se ensina em sala de aula: social skills – algo que também não é preciso ir para a Universidade para se aprender.
Dos meus colegas de Curso, os que estão melhor colocados ao nível de carreira, são precisamente aqueles que mais faltavam e alguns chegaram mesmo a desistir do Curso. Dos diretores de hotéis que conheci, muitos não tinham curso superior e os que tinham admitiam (com orgulho) ter sido maus alunos (não só em termos de notas, como de comportamento). Custa-me defender a opção deles, pois é um pouco ingrato não sermos reconhecidos pela nossa capacidade de foco e abnegação. Passei muitas tardes solarengas fechada em casa a estudar e a ver os meus vizinhos na rua a brincar. Exige uma grande força de vontade da nossa parte. Mas, na “vida real” quem tem social skills é rei.
Algo que também ajuda a desenvolver social skills em ambiente de trabalho são os empregos de Verão. Os meus pais nunca quiseram que eu e a minha irmã trabalhássemos, mas que nos dedicássemos aos estudos. Hoje, acredito que é bastante benéfico começar a trabalhar desde cedo e até frequentar a Universidade em regime pós-laboral. Pode-se demorar mais tempo e ter notas piores, mas as boas notas não dão emprego. Se não acreditam em mim, recorde-se que o nosso vice-primeiro ministro formou-se com 12 valores, Alberto João Jardim com 10 valores (e chegou a ser professor universitário), e para não falar da Licenciatura de José Sócrates, ou de como Miguel Relvas comprou a sua, digo obteve equivalências.
Os empregos de Verão ajudam-nos não só em termos de social skills, como a formamos uma noção daquilo que queremos fazer na nossa vida. Quando comecei a trabalhar, a ambição da maioria dos meus colegas de área era trabalhar no departamento comercial de um grupo hoteleiro. Eu tive essa oportunidade e detestei. Senti-me mesmo como peixe fora de água. Faltavam-me as social skills que são necessárias para trabalhar as relações comerciais com os clientes. Ainda recorri a Dale Carnegie, mas não me saía de forma natural. Nos jantares do trade suava em bica e não tocava no meu prato na ânsia de manter sempre a conversa a fluir. Depois fazia-me confusão a naturalidade com que algumas colegas minhas elogiavam as pessoas à sua frente e por detrás falavam mal delas. É que até o Dale Carnegie diz que devemos ser genuínos no afecto demonstrado.
Ser recepcionista foi algo que tentei evitar porque achava que não tinha mesmo competência, mas a vulnerabilidade de um turista deslocado torna o meu afecto genuíno e a relação de empatia que se gera torna o meu desempenho bem sucedido. Para além de elogios de hóspedes, recebia elogios dos meus colegas, até mesmo quanto à forma como mantinha o sorriso em situações de stress – algo que aprendi com um amigo meu que me disse que os hóspedes estão de férias e nós não temos o direito de fazê-los sentir o peso dos nossos problemas. Mas também este emprego não encaixou perfeitamente comigo. Eu não conseguia estabelecer limites. Cheguei a usar do meu tempo pessoal para fazer favores aos hóspedes como ir comprar um novelo de lã e enviar por correio para que uma senhora na Irlanda pudesse terminar uma camisola, ou ir ao Hospital do Algarve de noite deixar o estojo de higiene ao marido hospitalizado, e se não fosse a minha família, teria emprestado dinheiro a um casal que se esquecera da carteira no táxi e tivera de cancelar os cartões de crédito. Se nem o hotel ou o agente de incoming ajudam, porque devo eu preocupar-me.
Adorei ser professora, mais dos adultos do que das crianças (embora me tenha divertido muito), amei o que pude fazer no departamento de recursos humanos do hotel X, e estou a descobrir novos talentos no curso que estou a fazer à noite para além do doutoramento. Brincar com as palavras é o que eu gosto de fazer. Criar ideias e inspirar as pessoas. Só é pena não poder fazer o relógio andar para trás ou pelo menos pará-lo por um tempo. A julgar pelos anúncios de emprego, quem tem mais de 30 é demasiado velho para apostar numa nova carreira.

Laurinha, a tia vai arranjar-te um emprego de Verão, nem que eu tenha de criar uma empresa para te contratar! 

sábado, 19 de abril de 2014

Qual é o plano?

Sábado à noite, em festa de aniversário. Alguém pergunta quem será o mais novo da mesa. A Marisa! Agradeço o elogio e infelizmente não tenho segredo a partilhar, pois deve-se à genética. Na realidade cinco pessoas sentadas àquela mesa são mais novas do que eu. Três mulheres casadas e uma, com apenas 26 anos, já é mãe.
Quando eu era criança, havia um jogo que nós meninas adorávamos brincar. Não me recordo do nome, mas consistia em escolher a idade com que queríamos vir a casar e esse número seria a chave para percorrer uma série de respostas a perguntas como com quem nos casaríamos, de que cor seria o vestido, qual o lugar da lua-de-mel, etc. As idades que apontávamos normalmente rondavam os 22 anos. Através do Facebook tenho reencontrado colegas minhas de escola que conseguiram realizar esse plano. No meu caso, vinte anos depois, a minha vida não correu nada de acordo com o que eu previra.
No ensino básico queria ser professora de inglês; no final do ensino secundário quis ser jornalista; na universidade vi-me inscrita em Direito e acabei por me formar em Turismo, curso que nunca me passou pela cabeça, embora fizesse sentido, dado o meu local de nascimento e residência.
Quando frequentava o curso de Turismo, queria conseguir um emprego na Câmara Municipal de Portimão e lá ficar até à reforma. Não aconteceu. Estou sem carreira e, francamente, sem sentido de vocação.
Concluída a Universidade, não se seguiu o casamento. Aliás, aos 25 anos já havia posto de parte esse plano quando conheci o meu primeiro namorado. Ser mãe, então, está-me interdito pelas vicissitudes da minha vida.
Comprar casa dificilmente acontecerá. A carta de condução e o carro só aconteceram aos 21 mais um ano, para ganhar confiança, o que foi triste para uma pessoa que sonhara ser a primeira criança a quem o Presidente Mário Soares concederia o privilégio de conduzir um Fiat Uno cinzento (o meu carro de eleição na altura).

Enfim, resta-me o facto de não parecer, ou sentir, a minha idade, e poder assim alimentar a esperança de vir a realizar os meus sonhos de menina.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

WTF

Este fim-de-semana fui assistir a um congresso na Universidade Nova de Lisboa. Regressada ao auditório após o coffee-break e enquanto aguardava o início das palestras, escutei inadvertidamente uma conversa entre alunos da ESHTE que estavam sentados atrás de mim. Pelo que percebi, um director de um hotel que foi convidado a participar num seminário nesta Escola terá defendido que os estagiários não só não devem ser remunerados como deveriam ainda pagar às empresas que os acolhem, pois dão muito trabalho e despesas. A minha reacção foi: WTF!
Desde que comecei a trabalhar em hotelaria, há sete anos, que sempre me deparei com uma proporção desajustada entre colaboradores permanentes e estagiários. Num mundo ideal, o senhor director teria razão e faria sentido as escolas pagarem às empresas para acolherem estagiários, sendo que haveria uma pessoa designada para integrar e acompanhar o estagiário no seu departamento, assim como um plano de estágio e um horário adequados à condição de estudante.  No mundo real isso não acontece e os estagiários substituem colaboradores que estão de férias ou que foram downsized.
Ora diz o IEFP que o estágio é “o desenvolvimento de uma experiência prática em contexto de trabalho, que não pode consistir na ocupação de posto de trabalho”. Há uns anos a esta parte os estágios tornaram-se política comum de recrutamento das empresas, até ao exagero, propiciado pelas medidas de estímulo ao emprego do Estado, de se verem anúncios que declaram sem pudor “Procura-se estagiário”. Os estágios não se procuram, oferecem-se. Nem que seja como parte da sua política de responsabilidade social, a empresa aceita acolher um aluno para aprender, supervisionado, o exercício de uma função e não assumir sozinho a responsabilidade por ela.
Quanto aos custos, no caso dos estágios curriculares as empresas não têm de atribuir qualquer remuneração pecuniária aos alunos, e no caso dos estágios profissionais, ainda gozam dos apoios públicos. Nos hotéis, o custo a que o senhor director se deve referir são simplesmente as refeições na cantina dos colaboradores (um excelente acordo, diria a Dra. Isabel Stilwell).

O que mais me admira é que a forma como os estágios estão a ser encarados pelas empresas não só é moralmente questionável como de eficácia duvidosa. Os serviços baseiam-se em interacções complexas e únicas entre cliente e prestador, sobretudo em serviços com elevado contacto pessoal, como na hotelaria, motivo pelo qual são aspectos fundamentais as políticas de recursos humanos. Os estágios têm uma rotação intensiva o que afecta a qualidade e consistência do serviço prestado. Então isto será esperteza saloia ou tiro no pé?

terça-feira, 8 de abril de 2014

Amizade masculina

Se a reencarnação for possível, quero regressar como homem. Para além de eles auferirem um salário 20% superior ao nosso e não terem de passar pelos suplícios das mulheres como a menstruação, depilação, celulite, gravidez, maquilhagem e salto alto, sabem o que é ser e ter amigos (homens) verdadeiros.
A amizade masculina é um laço inquebrável que resiste ao tempo e às mudanças naturais da vida. Quantas de nós já nos afastamos das nossas amigas por causa de um namorado? E quantos homens conhecem que fizeram o mesmo? O Barney da deliciosa série norte-americana “How I met your mother”, menciona várias vezes a máxima “Bros before hoes”, e não se aplica necessariamente a uma disputa pela mesma mulher, mas também ao não esquecer-se dos amigos e deixar de conviver com eles quando namora ou casa.
A amizade masculina também não julga, antes perdoa e mantém-se fiel. Quando algum amigo comete uma falha perante alguém, incluindo a outro amigo, os homens não julgam, deixam que com o tempo o amigo reconheça o erro e regresse aos bons hábitos.  Quantas vezes as nossas “girls’ talks” descambam para temas fracturantes e provocam um mal-estar no grupo que se prolonga de forma indeterminada? Nós somos muito complicadas, analisamos demasiadamente as ocorrências. Os homens simplificam e regressam ao futebol, entre outros tópicos de conversa, que não causam muita mossa em caso de discórdia. Eu acho que não é por acaso, mas antes fruto da notável racionalidade masculina, enquanto nós, mulheres, somos mais emotivas.
“Bro” ou “Mano” ou “Meu irmão”, a gíria espelha o facto de que no masculino, os amigos são irmãos de coração. Quando algum dos amigos ou seus familiares precisa de alguma coisa, os homens estão lá presentes, nem que seja para ajudar a passar o tempo. Quantas amigas são assim tão solidárias?

Senhoras, temos de dar o braço a torcer: na arte da amizade, eles levam a taça!

domingo, 30 de março de 2014

Descobri que falo 'brasileiro'. Por Juliana Doretto

Dizem as boas línguas que brasileiros e portugueses falamos a mesma língua. Ah, caro leitor, essa frase está tão longe da realidade quanto o Brasil está distante de Portugal.
Sim, conversamos e nos entendemos; escrevemos e nos entendemos – uns 90%, é verdade, mas há compreensão. Só que não se trata da mesma linguagem. Quer ver? Aqui, em Portugal, eles dizem que falamos “brasileiro”. No Brasil, dizemos que falamos português e que os lusos manejam o “português de Portugal”. Entre essas duas línguas há um pote de gostosuras -- mal-entendidos, usos curiosos, duplos significados --, tão deliciosas quanto a moqueca nossa e o bacalhau deles.
Outro dia, compro uma revista, abro, e está lá, em letras garrafais: “Roupas para quem tem rabo pequeno”. Na página seguinte, vêm os modelitos para quem tem “rabo grande”. E, na TV, passa toda hora a propaganda da fralda que deixa o “rabinho do bebê” sequinho... Uma amiga minha, outro dia, estava com o celular no silencioso, no bolso, quando diz: “Ai, estou com o rabo a tremer!”. Aí, no Carnaval, ligo na RTP, o canal público daqui, e vem a reportagem: “Em Cabanas de Viriato, reina a dança dos cus”. Com uma senhora de 70 anos “a falar”: “Já, já dancei... já bati bem com o cu”. É cada susto que eu levo...
Essa minha amiga, aliás, é mestre em me fazer ter sobressaltos. Já me fez quase ligar para o serviço de emergência quando me contou que sua “botija” havia estourado durante a noite, e a cama estava molhada. Como saberia eu que ela falava de uma bolsa de água quente que lhe aquecia os pés no frio lisboeta? Também me contou que teve de chamar ajuda para enfrentar uma “osga”. Imaginando algo feroz e assustador, apoiei seu ato de pouca bravura, até saber que o bicho em questão era uma inofensiva lagartixa.
Descobri ainda que as pessoas aqui metem o carro na vaga, metem o livro na mala, metem em todo o lugar, e fica tudo bem. Sei agora que gosto de “mocho” (coruja); que tenho um “chapéu de chuva” (guarda-chuva); que na serra da Estrela há “nevão” (nevasca); que travesseiro é “almofada”, e almofada é almofada mesmo; que “putos” e “pitas” são algo como “miúdos” ou “miúdas”, ou garotos e garotas. Inclusivamente – muito usado por aqui –, pode-se chamar uma menina de “rapariga” sem que ela se ofenda com o termo de uso antigo.
Aprendi que não apenas existe mas é extremamente popular o termo “mais pequeno”; que “engraçado” é interessante, e quem é engraçado na verdade “tem piada”; que a plataforma do metrô é o “cais do metro”, que fresco é “gelado”; que “gelado” é sorvete e que ninguém chupa gelado por aqui, porque é feio. Come-se. Come-se um gelado de “marabunta”, por exemplo. Não pense bobagem: é de flocos.
Mas nada é tão difícil para mim quanto "o tratamento Pelé”, como o chamo. Assim como o Edson trata a si mesmo pela terceira pessoa, é extremamente comum aqui que as pessoas me chamem de “Juliana” quando estão falando diretamente comigo. É um tratamento intermediário, nem formal nem informal. “E a Juliana vai comer o quê?”, perguntaram-me. A primeira vez, é claro, olhei para trás, procurando uma Juliana. Mas havia somente eu na sala. Isso vem também por escrito. Em um e-mail enviado para mim, é comum ler a frase: “Como a Juliana me disse na última mensagem...”
Tem toda a parte dos xingamentos, palavrões e outros que tais, mas isso, por força da minha polidez, eu guardo para os meus amigos “tugas”, numa mesa de uma “tasca” qualquer. Ou um restaurante pequeno e barato. Enquanto “tomamos um copo” e para quem eu distribuo um “grande beijinho”, porque é assim que faz com aqueles por quem se tem estima. Mas, para dizer que não avisei, sugiro apenas que não comprem um broche, mas sim uma “pregadeira”. Soará muito melhor, vá por mim...

Originalmente publicado em: http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ruth-de-aquino/noticia/2014/03/descobri-que-bfalo-brasileirob-por-juliana-doretto.html

domingo, 23 de março de 2014

Da poesia

Na passada Sexta-feira assinalou-se o Dia Mundial da Poesia. Através de uma notícia na RTP fiquei a saber que a poesia irá sair do programa do ensino secundário. Aparentemente desistiu-se desta arte. Os portugueses não estão sensibilizados para os versos, para lê-los ou escrevê-los. Mas eu creio que a rima (embora não seja obrigatório a poesia rimar), está no ADN dos portugueses, vislumbrando-se em muito da nossa cultura popular, nos provérbios, nas quadras dos santos populares, nas canções, e até nas adivinhas. Por isso, acredito que a poesia não vai desaparecer, é o nosso fado.
No meu tempo de estudante gostei de conhecer as obras de Camões e de Pessoa. Aprendi a encarar os poemas como quebra-cabeças, mensagens escritas em código para nós decifrarmos, através da identificação das figuras de estilo utilizadas, ou da associação das vicissitudes da vida dos autores ao que escreviam.
Também cheguei a ser autora de originais. Estava no nono ano e havia a moda de os rapazes escreverem rap e as raparigas poemas. Na altura eu tinha uma paixoneta por um colega meu e então fazia-lhe declarações de amor em código através dos meus poemas.
Gostaria que o ensino da poesia se mantivesse. É um desafio mental e emocional, uma forma de expressão que ultrapassa o papel e é a base para outras artes, por exemplo, a base dos letristas das nossas canções favoritas, como o Pedro Abrunhosa ou até mesmo o Vasco Palmeirim.

Talvez tenha sido o estigma da tristeza e desventura que fechou os corações dos portugueses à poesia, mas há poemas que nos fazem sorrir, sonhar e que nos inspiram, como “Grândola, Vila Morena”, que regressou aos lábios dos portugueses.

domingo, 16 de março de 2014

Da Educação I

Na passada Sexta-feira, a minha irmã e cunhado foram visitar vários colégios para a minha sobrinha. Como pais, querem proporcionar à Laura a melhor formação académica que lhes é possível, e por isso estão a avaliar várias hipóteses.
Fiquei contente por saber que há vários colégios a incluir desde cedo programas de educação física, línguas e música. Para além de saberem ler, escrever e contar, é importante que as crianças desenvolvam as suas capacidades motoras e a sua sensibilidade através das artes.
É uma enorme responsabilidade estar envolvido na formação de um ser humano. Durante a gravidez, a minha irmã leu vários livros sobre bebés e como os pais podem ajudá-los no seu crescimento. Não querendo, minimizar o seu mérito, no Natal passado ofereci à minha irmã “O Elemento”, de Ken Robinson. Aconselho todos os pais tomarem conhecimento do ponto de vista disruptivo de Robinson acerca da formação académica: http://www.ted.com/talks/ken_robinson_says_schools_kill_creativity
Na minha vida profissional, já leccionei no ensino primário e no ensino superior, e embora, diferentes públicos ditem diferentes métodos, em todos tentei fomentar a criatividade. No ensino superior, o meu grande objetivo não foi criar esponjas de conhecimento que absorvessem todos os conceitos teóricos (que transmiti, pois são a base), e que repetissem os mesmos trabalhos académicos de anos anteriores (o que promove o facilitismo do plágio), mas desafiar os estudantes a criar algo original. Foi muito gratificante ver os meus alunos apresentarem propostas para ações promocionais, organizarem uma conferência e concretizarem ações de angariação de fundos. E mais importante do que a minha realização profissional, foi testemunhar a satisfação pessoal dessas pessoas.
Porque a vida é feita de experiências, de tentativas e erros, há que dar espaço à autonomia do pensamento e à criatividade. E há que ter em conta que o tempo que nós passamos na nossa formação académica, coincide com o tempo em que a nossa inteligência (no sentido mais lato, i.e. social, emocional, racional) se desenvolve e nos definimos enquanto pessoas.
Pela minha parte, tento fomentar o lado direito do cérebro da Laura oferendo-lhe lápis de colorir e instrumentos musicais, contando-lhe histórias e participando nos seus momentos de “faz de conta”. Implica algum chinfrim e muita desarrumação, mas a Fénix não renasceu do caos das chamas?


segunda-feira, 10 de março de 2014

Da paciência

A paciência é um virtude e não há melhor lugar para aperfeicoá-la do que Lisboa. Quem mora fora da cidade sabe como são vitais aqueles minutos que saímos mais cedo de casa, caso contrário apanhamos um trânsito infernal para entrar em Lisboa. Mais do que infernal, eu diria anedótico, pois há dias em que seria possível fazer uma corrida entre um carro e um caracol que este chegaria à meta primeiro e ainda fumaria um cigarro enquanto esperava pelo carro.
Quando trabalhava em Lisboa, costumava ir de transportes públicos, neste caso o exercício de paciência é outro, designadamente, andar como sardinha em lata. Por vezes, vamos tão juntinhos que dá para adivinhar a marca do aftershave do senhor da frente ou saber que a jovem do lado está chateada com o namorado porque o ouvimos implorar perdão pelo telefone. E na volta para casa, não nos safamos do trânsito. Chega a demorar tanto tempo que já apanhei um autocarro com uma senhora à minha frente que descascou e comeu um saco de camarões cozidos até chegarmos à Bobadela.
Contudo, quando somos nós ao volante não há muito que possamos fazer. Já houve alturas em que me apetecia fazer como nos filmes e abandonar o carro para ir a pé. Oiço música, canto, encanto ou assusto o vizinho do lado com as minhas figuras; penso nos mistérios da vida (embora nunca chegue a conclusão nenhuma); como um lanchinho, porque mulher prevenida vale por duas; por vezes, trabalho, porque as ideias surgem assim, por entre suspiros, quando deixo o cérebro respirar; e nunca uso o telemóvel, senhor polícia!
E falando em camarões, Lisboa tem excelentes restaurantes, tão bons que atraem multidões. Em resultado, esperamos para conseguir mesa, depois temos de esperar para sermos atendidos e ainda, esperar até a comida ficar pronta. Então, comem-se os aperitivos e põe-se a conversa em dia, interpolada por uns brindes à malta. Em breve, esgotamos os temas mais interessantes e já só mexemos o gelo no copo com a palhinha. O bom é que quando o prato chega, toda a gente está com fome e pensa mais é em aconchegar o estômago. Pede-se mais um jarro de sangria, fala-se sobre como a comida é boa e para onde vamos a seguir.
Outra situação que me ajuda na mestria da arte da paciência são as filas da Segurança Social ou do Centro de Emprego. Infelizmente, tenho-me deparado por diversas vezes com esta situação. Lá em baixo no Algarve, por norma, se formos a uma cidade menor das redondezas, conseguimos apanhar menos pessoas na fila da Segurança Social do que numa cidade maior, como a minha Portimão. Tentei aplicar aqui o mesmo princípio e ir a Loures ao invés de Lisboa. Pois, acontece que Loures é uma Portimão e uma Faro juntas, suspeito. Já tentei chegar meia hora antes da abertura da agência e, mesmo assim, nunca consigo menos de 50 pessoas à minha frente. Antes gastava toda a minha bateria no Facebook ou a jogar à paciência, mas agora já aprendi a contornar a situação. Faço o mesmo no Centro de Emprego, tiro a senha e vou à minha vida. Até agora tenho conseguido sempre adiantar outras tarefas, almoçar em casa e ainda chegar a tempo de ser atendida. O pior é mesmo a espera pelo emprego. Foi menos longa quando terminei a Licenciatura e tinha pouca experiência, agora tenho formação e experiência a mais e sou demasiado velha para estar atrás de um balcão ou servir às mesas. Este é o maior teste à minha paciência.

Esta semana também vocês, meus queridos leitores, praticaram a paciência, pois tiveram de esperar um dia a mais pelo meu post. Espero que tenha valido a pena, porque o lado positivo de treiná-la é que a paciência não é um fim, mas um caminho, pois como dizem “The best things in life are worth waiting for ...”

domingo, 2 de março de 2014

A sala ideal para a minha idade. Por Juliana Doretto

Prestes a fazer 33 anos, estou eu a ler matérias sobre decoração – adoro isso... – quando me deparo quando um texto que dizia algo como: “Veja como é a sala decorada para a sua idade”. Eis que na faixa dos 30 anos estava lá um belo exemplo de cômodo montado para um casal morando junto há poucos anos e já com um filho pequeno. Falava da necessidade de ter espaço para os brinquedos, de ter móveis resistentes, de se preocupar mais com a segurança das crianças do que com o design dos móveis.
Acontece que o texto não trazia uma segunda ou uma terceira opção: peças que podem ser úteis para os que estão – ou querem ser sempre – solteiros, para os casais sem filhos, para os que moram com amigos. É claro que a matéria ficaria tão complexa que talvez fosse necessário até mudar o conteúdo. Não seriam casas para as idades, mas sim para diferentes perfis. E mesmo assim, sabemos, faltariam outros tantos. Mas já seria algo mais honesto e real.
Certa parte do jornalismo tende a montar o mundo em caixinhas, como se todos nós tivéssemos de nos esforçar para nelas caber: “Como atingir o corpo perfeito”; “Como se livrar do estresse”; “Empreendedores contam a receita de seu sucesso”; “Veja o que deve usar para arrasar no próximo verão”; “Salto alto levanta a autoestima”... Se você tem 33 anos, é divorciada, sem filhos, mora num apartamento já mobiliado, não tem paciência para a academia de ginástica, acha que se não estiver estressada está trabalhando de menos, é bolsista, não consegue vestir certas peças “que todo mundo está usando”, e não gosta de salto alto, faz o quê?
O jornalismo funciona como um dos normatizadores da sociedade: as reportagens e colunas que lemos tendem a avaliar o que é aceitável ou não – e não somente na administração pública e na convivência social mas também em nossa vida pessoal. Há uma linha do que é “normal” ou “esperado”, que guia a escolha do que é reportável ou não.
Mas quantas mulheres têm a barriga “seca”? O que é, afinal, atingir o sucesso profissional? O que é estar na moda? Se tudo isso fosse apenas uma invenção do jornalismo, seria mais fácil driblar os mandamentos. Acontece que se trata de um círculo: o jornalismo constrói esses parâmetros baseado no que se passa na sociedade – e vice-versa. A sociedade espera algo para uma mulher da minha idade, e o jornalismo repete – e alimenta – essas expectativas.
Então, é isso, acabou o jogo? Penso que não. Como jornalistas, há que pensar que o mundo nem sempre cabe em quadradinhos predeterminados – é preciso explorar essa ideia, cada vez mais, em vez de construir manuais de comportamento. Como leitores, há que criticar textos desse tipo, mas também refletir sobre os parâmetros pelos quais queremos conduzir nossas vidas: o que é normal para nós, o que não é? O que queremos que de fato nos aconteça?
Minha sala atual tem um sofá, uma tevê pequena, alguns livros e CDs – os que couberam na mala. Não há nenhum plano de engravidar nos próximos anos e não tenho dinheiro suficiente para renovar o guarda-roupa. Não é o que eu esperava viver aos 33, quando eu tinha 23. Mas é o que aconteceu – pelas minhas escolhas; algumas correram bem; outras não. Nem sempre fico contente com isso, mas ler matérias sobre como deveria ser minha sala não me ajuda a entender que a vida é um caminho torto e sem predestinações. Por outro lado, hoje vejo um pedacinho do Tejo da minha janela, e isso é algo que eu jamais esperei acontecer quando eu tivesse 33 anos.
*O texto original foi publicado em: http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ruth-de-aquino/noticia/2014/03/bsala-idealb-para-b-minha-idadeb-por-juliana-doretto.html

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Mãe por um dia

Esta semana a minha irmã e cunhado pediram-me para tomar conta da minha sobrinha enquanto eles iam trabalhar. Por norma, ela fica com os avós paternos, mas também ele precisavam de uma folga e eu fiquei a saber o porquê …
A Laura não gosta de dormir. Luta connosco para se libertar quando a queremos adormecer e acorda várias vezes durante a noite. Às 6h45 os pais saíram e a tia entrou ao serviço. Consegui adormecê-la e dormiu até às 09h00. Comeu bem o pequeno-almoço e depois brincámos muito. Desenhámos, fizémos ovos mexidos na cozinha de brincadeira, lemos livros, vimos fotos e vídeos da “Laua”, andámos de carrinho, ou melhor ela andou e eu empurrei ... Esta agitação toda, sem parar, até à hora do almoço. A refeição também correu bem, mas depois o plano era pô-la a dormir a sesta e ir preparar o jantar para os pais. Não quis, queria ver o “Mika”(i.e. o Rato Mickey). Sentei-a no sofá a meu lado e de cada vez que ela encostava a cabecinha ao meu colo, sonolenta, tentei levá-la para o seu quarto. Fracassei umas três vezes, mas quando já tinha passado uma hora, fui o mais autoritária que pude e disse-lhe que estava na hora da sesta. O cansaço acabou por vencê-la e eu fiquei por uns momentos, apenas com o som da sua respiração, a contemplar o rosto do meu doce. Breve pausa, pois 15 minutos depois já acordava.
Após 45 minutos de sono intermitente, a Laurinha despertou e eu ainda não tinha conseguido adiantar o jantar. Ficou comigo na cozinha, mas eu cai no erro de lhe ir dando bolachas para entretê-la. Resultado, quando chegou a hora do lanche, já não quis comer a papa. Ainda pensei, “dou-lhe leite, agito-a e pronto, é o mesmo que ter-lhe dado o Nestum de Bolacha”. Estou a brincar! Felizmente a minha irmã chegou por esta altura e ela comeu um iogurte.
Eu já estava cansada, mas a minha irmã pediu-me para ficar mais um pouco a brincar com a Laura enquanto passava a ferro. Adoro brincar com a minha sobrinha. Adoro fazê-la rir. Lembrei-me de fazer o “avião”. Asneira! Fiz a primeira vez, ela riu. Assim que pu-la no chão, levantou os bracinhos para mim: “Mais”. Fiz a segunda vez … “Mais”. A terceira vez … “Mais”. Tive de, estrategicamente, mudar a atenção dela para outra coisa, pois já não tinha mais força para elevá-la.
Assim que a mãe ficou disponível para brincar com ela, despedi-me e vim para casa descansar, pensando, “como é bom ser tia!”.

Não posso deixar de elogiar a minha irmã, por ser mãe, esposa, dona de casa e ainda trabalhar por turnos como enfermeira, a cuidar de outras pessoas. Ajudá-la-ei sempre que puder e como puder a cuidar da minha sobrinha, até porque, desde o momento que sai pela porta, tive saudades do seu sorriso.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A primeira vez

No fim-de-semana passado o avô paterno da Laurinha colocou para a neta ver de perto uns caracóis e caracoletas, que apanhou na horta, dentro de uma caixa. Foi um fartote de gozo ver o deslumbramento da minha sobrinha ao tomar conhecimento e entrar em contacto pela primeira vez com aquelas criaturas. Assim que eu cheguei, agarrou-me pela mão e sentou-me no chão ao seu lado para brincar com os “cacois”. O avô mexia-lhes nos “corninhos” e ela ria-se ao vê-los recolher. Depois, o avô deu-lhe um pauzinho de plástico para ela alimentar os caracóis com uns pedacinhos de verdura, até que, às tantas, incauta, levou o pauzinho à sua própria boca. Ouviu-se um “não” em coro, dos adultos, e a mãe zelosa e veloz, retirou-lho da mãozinha.
Uma das coisas que me delicia ao ver a minha sobrinha crescer é testemunhar a forma como ela descobre o mundo. Recordo este Natal passado, quando o meu cunhado acendeu as luzes da árvore de Natal pela primeira vez. Ela estava ao colo da mãe e disse “Ohhh”, com os olhos muito abertos, deslumbrada.
No Verão passado estreou-se a banhos. Primeiro estranhou a areia e teve medo do mar, mas assim que se habituou à agua, “entranhou”, como diria Fernando Pessoa, e até chorava quando os pais a queriam levar para a toalha.
Outro episódio engraçado foi quando provou um gelado pela primeira vez. Reagiu primeiramente à mudança de temperatura e arrepiou-se, depois descobriu o sabor doce e, então, arriscou nova prova. Observo sempre atentamente cada vez que lhe é dado a experimentar um novo alimento. Se é do seu agrado, reproduz o som “humm”, lambendo os lábios de olhos fechados e depois diz “Mais”. Imperdível!
Há medida que vamos crescendo, vão se tornando cada vez mais raras as oportunidades de experimentarmos algo pela primeira vez e, pior ainda, o peso de más experiências passadas, provoca o medo da novidade e impede-nos de arriscar, perdendo assim eventuais oportunidades para a felicidade. Devemos todos aprender com as crianças.

P.S.: Confessem que, pelo título, pensaram que eu ia falar sobre outro assunto. Seus marotos!!!

domingo, 9 de fevereiro de 2014

O efeito McNamara


Esta Sexta-feira foi um dia diferente. Rumei com os meus colegas da Restart até à Nazaré para assistirmos à produção de uma campanha que tem como protagonistas a Mercedes e Garett McNamara.
Este senhor tornou-se conhecido dos portugueses, e ainda mais no mundo, em 2011, por estabelecer o recorde da maior onda surfada em 24, 77 metros, na Nazaré. No início de 2013, novamente na Nazaré, terá logrado surfar uma onda de 30 metros, um valor que ainda procura ultrapassar.
Na altura que estas notícias surgiram acompanhadas pelas fotos das gigantescas ondas, o pensamento geral em relação ao protagonista da proeza deve ter sido, “esta juventude é maluca”. O senhor tem 46 anos.
Não sou surfista, aliás mal sei nadar, mas não me passa despercebida a coragem e tenacidade deste homem, que se propõe tentar vencer as forças da natureza e os limites do próprio ser humano. Quando o conheci na Sexta-feira, disse-lhe que era muito corajoso e que o admirava por isso, ao que ele me respondeu que cada pessoa tem o seu desafio, e este era o dele.
McNamara tornou-se um ídolo, não só para quem é fã da modalidade, mas julgo que para os adultos com mais de 40 anos, pois demonstra que a idade é apenas um número, e mesmo para os jovens, como exemplo de entrega e compromisso para com um objetivo. O que ele faz não tem nada de imprudente. Ele prepara-se com antecedência, estuda as cartas das marés, faz ensaios, treina o corpo.
Para além disso, o Garett é uma pessoa acessível, adorado pelos habitantes da Nazaré, e que soube retribuir a forma como foi acolhido, sendo já apelidado de “o presidente da Junta de Freguesia”.

Fico a torcer para que consiga apanhar “the big one”.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Vitamina D

Diz o povo “Janeiro fora, cresce uma hora”. Fico tão contente perante a expectativa de podermos gozar de luz natural durante mais horas do dia. 
Adoro o Sol (sou algarvia). Estes dias em que o radiante astro resolveu brindar-nos com a sua presença, levantaram-me o ânimo. Soube-me bem passear junto ao rio no Parque das Nações. Abasteci-me de vitamina D, a vitamina do bom humor.
Uma das características mais belas de Lisboa é a sua luz natural. Quando os raios solares incidem sobre as fachadas dos prédios, intensificam as suas cores, como o amarelo do Martinho da Arcada, que contrasta com o branco polido do arco da Rua Augusta, e, na linha do horizonte, com o azul do Tejo, salpicado de cristais.
Há que reconhecer o bom gosto dos pombos que não abandonam a baixa de Lisboa. Percorrem nos seus voos o traçado pombalino (i.e. idealizado pelo Marquês e não columbófilo), perscrutam com proximidade as estátuas de Reis e outras figuras ilustres, e imergem na formosura das fontes.
Não resisto a fotografar a cidade, mesmo repetindo os sítios e vistas. Não domino a arte e temo nunca vir a fazer jus à beleza de Lisboa, mas arrisco dizer que é impossível tirar-lhe uma má fotografia, por mérito da modelo.
Agora a população autóctone passa mais o seu tempo livre nos centros comerciais, mas quando o Sol se instala, a cidade ganha outro ânimo, que dá gosto ver, ouvir e fazer parte.  

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

A frescura nossa de cada dia. Por Juliana Doretto

Moro num prédio típico de Lisboa: bastante antigo, com estilo que no Brasil chamamos de colonial (janelas retangulares, com bordas pintadas de uma cor contrastante e sacadinhas), sem elevador e com muitos moradores velhos (ou “velhotes”, como se diz, carinhosamente, em terras lusas). Meu apartamento, o menor de todos, fica parcialmente no subsolo, logo ao lado da porta principal: é o que eles chamam de “cave”. Pelas paredes, ouço o movimento dos vizinhos: o grande cachorro que desce a escada descontroladamente; as vizinhas que papeiam no andar de cima; o senhor de chapéu que sai para fazer compras no mercado todas as manhãs... Mas, de todos esses companheiros, a de que mais gosto é dona Esmeralda – e suas deliciosas frescuras.
Todos os dias, de segunda a sexta, para em frente à minha janela uma “van” da Santa Casa de Misericórdia, cheia de velhotes. Sai de lá uma mulher de 40 e muitos anos. Assistente social, provavelmente. E toca a campainha. Muitos minutos depois, escuto passos: vagarosos, sofridos. A respiração completamente ofegante (imagine alguém tendo uma crise de asma...). As mãos apoiando-se no corrimão com muita força. E, sempre que os passos silenciam, a suposta assistente social diz algo como:
- E a minha princesa, como está?
E então vêm as respostas que me alegram todas as manhãs. Apesar de descer as escadas toda arrumadinha, enfrentando suas visíveis dificuldades de locomoção, dona Esmeralda nunca quer embarcar na van. Os problemas se multiplicam. Há um novo, a cada dia:
- Doem-me as costas e os joelhos... Não tinha vontade nem de me levantar...
- Dói-me a coluna. Mal consigo andar...
- Não dormi nada essa noite...
- Há oito dias não vou à casa de banho [banheiro]. Hoje não quero almoçar...
- Há dez dias não vou à casa de banho. (!) Quero ir ao hospital...
E a mulher que a aguarda, com maestria, sempre responde às reclamações de dona Esmeralda:
- Dói a nós todos. Se não andar é pior!
- Se ficar em casa dói ainda mais...
- Depois do almoço a senhora dorme um pouco...
- Mas hoje é bacalhau com natas! É muito bom!
- Já tomou as gotas? Tem de tomar à noite, para a senhora fazer de manhã...
Imagino que dona Esmeralda viva sozinha e, com os demais “velhotes” da van, passe o dia num centro social – o carro volta impreterivelmente às 16h30, deixando-a à porta do prédio.
Um dia, nervosa com um trabalho que não chegava ao fim, irritei-me com as reclamações, e desabafei online: “Dona Esmeralda: para de frescura e entra logo nessa perua da Santa Casa! A senhora vai todo dia mesmo!”. Ao que uma amiga respondeu: “Mas a frescura é o melhor do dia, é o élan da vida”...
Dona Esmeralda precisa de seus cinco minutos de frescura diária, e da atenção da assistente social. Todos nós precisamos. Velhotes, temos as dores e outros desconfortos físicos. Crianças, temos o choro, e atenção imediata da mãe. Adolescentes, temos nossas crises existenciais cotidianas e a cumplicidade dos amigos da mesma idade. Adultos, temos às vezes dores, às vezes choro, às vezes crises existenciais... Todos precisamos nos sentir queridos. Todos precisamos saber que os outros se importam conosco. Pode falar da dor nas costas, dona Esmeralda. Se um dia eu tomar coragem e for falar com a senhora, lhe conto sobre as minhas outras tantas dores.
Texto originalmente publicado em http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ruth-de-aquino/noticia/2014/01/bfrescura-nossab-de-cada-dia-por-juliana-doretto.html

sábado, 25 de janeiro de 2014

The curious case of Marisa Serrenho

É sobejamente conhecido o axioma de que a idade é uma questão de estado de espírito. No meu caso, quanto mais os anos passam, mais nova eu fico. Um fenómeno semelhante ao do filme “The curious case of Benjamin Button”, no qual a personagem interpretada por Brad Pitt, vai ficando fisicamente mais novo ao longo dos anos. Mas, calma, embora eu não aparente ter os meus 31 anos, não estou a querer dizer que poderão aguardar ver-me a ser passeada por Lisboa no carrinho de bebé da Laurinha. O que sucede é que eu despertei tarde para a vida.
Por vicissitudes que um dia explicarei na minha biografia, a ser escrita pelo José Rodrigues dos Santos (é uma ideia!), vivi um quarto de século em abnegação. Fiz um voto voluntário de obediência aos meus pais e entrei na reclusão da vida dedicada à formação académica com a promessa (vã) de que me levaria a uma carreira através da qual me pudesse sentir realizada enquanto ser humano.
Um dia, houve um jovem que se interessou por mim e eu comecei a pensar que poderia haver outro rumo para a minha vida, mas quando o sonho de casamento estava em vias de se tornar realidade, assustei-me e vim para Lisboa. Apercebi-me de que ainda não tinha vivido e que não queria trocar uma forma de reclusão, pela outra, e a obediência aos meus pais, pela dedicação a um marido.
Os meus pais nunca me proibiram de sair à noite com os meus colegas de escola, mas eu sabia que não iriam dormir enquanto eu não chegasse a casa e isso pesava-me na consciência. O mesmo se passava quando eu comecei a trabalhar por turnos. Não sei se por ser a mais nova, mas o meu bem-estar sempre foi motivo de ansiedade para os meus pais, algo que me deixa enternecida (e vaidosa, confesso), porém ao mesmo tempo, incómoda.
Em Lisboa tenho seguido a formação académica (da qual não consigo desistir, apesar do esforço e das desilusões), mas o principal objetivo da minha vinda foi angariar experiências e recordações. Sempre me divertia quando vinha visitar a minha irmã e o meu cunhado, depois fiz novos amigos na Universidade e recuperei velhas amizades, com as quais o destino me fez novamente cruzar caminho. Comecei com noitadas com a minha irmã, depois jantaradas com os colegas, cinema, teatro e discotecas com as amigas e, no ano passado, fui ao meu primeiro grande concerto (Bruno Mars). Este ano já comprei o bilhete para o Rock in Rio Lisboa, quero ver se consigo alguém que me leve a andar de mota e quero ir à Serra da Estrela ver neve.
Ontem foi o jantar de turma da Restart. A maioria dos meus colegas tem vinte e poucos anos, mas têm mais experiência de vida (e maturidade, confesso) do que eu. Junto dos meus colegas sinto-me mais jovem e isso transparece igualmente no exterior, até porque mudei o meu visual: cortei o cabelo e uso roupas mais descontraídas e despretensiosas. Ninguém me assinala no grupo como sendo a mais velha. Eles são super divertidos e eu aprendo muito com eles. Só me lembrei que tinha 31 anos, quando chegou a hora de irmos para casa e eu senti-me na obrigação de garantir que tinham boleia.

Eventualmente, quero reencontrar-me com a minha geração e traçar o caminho que conduza aos três grandes “C”s: Carreira, Casa e Casamento. Até lá, ainda gostaria de primeiro aprender a andar de bicicleta.  

domingo, 19 de janeiro de 2014

Farinha do mesmo saco?

Ter uma conversa através de texto com alguém é sempre complicado porque nos falta dar a entoação certa. É muito fácil sermos mal interpretados. Certo dia “teclava” com um amigo e fiz-lhe um comentário que deveria ser interpretado como humorístico, mas foi tomado como uma crítica. É certo que já não o via há muitos anos antes de retomarmos o contacto e que o meu sentido de humor apurou-se desde a infância, mas a maneira como se defendeu no assunto em questão, leva-me a acrescentar outro factor à falha de comunicação: o género.
Se tivesse sido um amigo homem a fazer o comentário, talvez fosse interpretado como piada, mas sendo uma mulher, só poderia ser uma de duas coisas: uma crítica ou uma cobrança. Nem todas as mulheres são iguais. Para além de loiras, ruivas ou morenas, também nos diferenciamos no feitio. Há as que são mais tranquilas, agressivas ou indiferentes. Não somos todas farinha do mesmo saco.
Quem me conhece sabe que sou uma pessoa calma que detesta conflitos e prefere ficar calada a dizer uma parvoíce. Fico um pouco magoada em ser o alvo de generalizações com base em más experiências vividas ou transmitidas de amigo para amigo, ou estereótipos popularizados pelos media.
Sempre me pautei pela máxima “não faças aos outros aquilo que não gostarias que fizessem a ti”. Se quero paz e bom astral para mim, não vou procurar discussões e provocar a perturbação de outros.

Também já tive os meus dissabores e desilusões, mas o que aprendi sobre o ser humano, e recorrendo a outra metáfora também popular, é que as pessoas são como as cebolas: têm várias camadas, e, assim como as cebolas, muitas fazem-nos chorar, mas nem todas ...

sábado, 18 de janeiro de 2014

Charme inato


É um facto que as crianças têm o poder de nos derreter o coração, ou não fossem, juntamente com os gatinhos, o tema de muitos posts e vídeos comoventes nas redes sociais, porém há uma criança em particular que me reduz a água, qual boneco de neve no deserto do Saara: a minha sobrinha Laura.
Não sou a mesma pessoa desde que me tornei tia. À primeira visão daquelas bochechas, apaixonei-me por ela, e a vida ganhou outra cor. É um privilégio acompanhar o seu crescimento e ver a sua personalidade desabrochar. Já dá para ver que vai ter o feitio da mãe, até porque nasceram sobre o mesmo signo do zodíaco (caranguejo), mas espero que os genes do pai sirvam de contrabalanço. Tem uns olhos muito expressivos e um sorriso que desarma a pessoa mais rabugenta.
Recordo a primeira vez em que me chamou tia. Senti que a minha vida ganhava outro significado e que eu teria outra função a acrescentar no meu currículo: tia da Laura. Quero ser um bom exemplo para a minha sobrinha.
Tento ajudar na educação da Laura como posso e sei, sendo disciplinadora quando é preciso, brincando com ela nas horas certas, mas às vezes não resisto ao seu charme e cometo uma infração. Como é comum nas crianças da sua idade, adora mexer onde não deve. Já sei que quando estou na cozinha e deixo de ouvir barulho na sala, ela está a fazer alguma asneira. Dirijo-me à sala e encontro-a a brincar com o comando da TV. “Laura, isso é do papá e da mamã”. Ela olha para mim, primeiro com uma expressão “ups, fui apanhada” e depois sorri “perdoa-me que eu sou fofinha”. Tiro-lhe o comando das mãos, mas não resisto a dar-lhe um abraço e um beijo repenicado. Noutra ocasião, estamos a assistir TV e ela vai até à estante e começa a tirar os livros e DVDs e a colocá-los no chão. “Laura, não mexas aí.” Ela parece acatar e volta para os seus brinquedos, mas no instante a seguir, dou com ela a olhar para a mãe e a estender a mão para os DVDs. “Será que consigo tirar um sem a mamã perceber?”, parece estar a pensar. Eu repreendo-a, mas a suster o riso. Ela faz um sorriso maroto e vem abraçar-me, eu derreto.

As crianças dominam a inteligência emocional e a Laurinha faz de mim gato-sapato. Os pais e eu podemos estar a jantar ou ver um filme, e ela querer brincar no carrinho ou ver fotos dela mesma no PC, que já sabe a quem pode sempre recorrer. Chega-se ao pé de mim, estende-me a mão e diz “Anda!”, e lá vou eu, guiada por ela, e empurro o carrinho e mostro-lhe as fotos no PC, e vou buscar a bola ou apanhar o balão, e ando com ela às cavalitas e … Ufa! É uma azáfama, mas adoro cada momento que partilho com ela.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

A osga

Estou a comemorar um aniversário muito especial. Faz um ano que moro sozinha.
Sai tarde de casa dos meus pais. Tinha 28 anos quando vim morar com a minha irmã e querido cunhado (fica sempre bem dar-lhe uma graxinha!) em Lisboa. Morar mesmo sem partilhar casa de banho, só veio a acontecer aos 30 anos. As circunstâncias não foram as melhores e tive de escolher a primeira casa que me apareceu na área que eu pretendia, contando com a ajuda da minha irmã e da sua sogra para o recheio (qual IKEA, qual quê!).
Um ano depois, encontro-me noutra casa, com mais um quarto e menos de renda, sempre próxima da minha Laurinha, que me surpreende e prende mais a cada dia, e bastante confortável na minha solidão (no sentido de morar sozinha), até ao dia em que ela apareceu … A osga!
Estava eu, num fim-de-semana destes, toda contente a arrumar a minha casinha, quando dou de caras com uma osga na cozinha. Gritei e fugi para a sala. Com o coração aos pulos, avancei novamente para a cozinha, e da porta espreitei, lá estava ela, gorda, parada, altiva. Corri novamente para a sala e telefonei para a minha irmã. O meu cunhado estava a dormir e eu tinha era de arranjar coragem para matar o bicho que “não faz mal a ninguém” (a não ser provocando um ataque cardíaco!). Fui novamente espreitar, e desta vez ela mexeu-se. Eu gritei novamente. Decidi que tinha de a matar antes que ela se escondesse nalgum sítio e depois seria o caos para descobri-la. Peguei numa colher de pau e avancei sobre ela. Aos gritos, desferi sobre a criatura uma série de golpes, e só parei quando tive a certeza de que não se mexia.
Duas coisas me espantaram nesta situação. A primeira, o raio de vizinhos que eu tenho, que ao me ouvirem gritar, não me vieram acudir. A segunda, a minha coragem. Mas não fui capaz de encerrar o caso sozinha. Decidi aguardar até o meu cunhado acordar para ele vir remover o corpo. Tentei, mas não fui capaz. Refugiei-me no quarto e liguei novamente à minha irmã. De vez em quando ia certificar-me de que a osga permanecia morta.
Algum tempo depois, chegou o meu cunhado. Apontei-lhe o corpo e ele concordou comigo de que era grande, embora na minha percepção, fosse sempre maior, um mini-crocodilo. Depois o meu cunhado comentou que eu não matei simplesmente a osga, mas que a desventrei, que quase parecia o cenário de um filme de terror. De facto, a minha raiva para com aquela osga era muita, pois foi perturbar a paz e conforto que eu tinha adquirido no apartamento que eu já considerava o meu lar.
Quando contei a história para a Juliana, ela respondeu-me que faz parte da experiência de se morar sozinho, e parecia estar a parabenizar-me por ter passado por um ritual de iniciação: agora sim, sou uma mulher independente, matadora de osgas. Visto por esse prisma, foi uma experiência positiva, mas pela qual não quero passar novamente.

Dias depois, contei a história num jantar de amigos e um amigo contou-me como a mulher o chamou a casa para matar uma osga que estava na varanda. Veio-me outra ideia à cabeça. Foi para isto que Deus criou o homem, e o casamento. Por mais independente que eu queira ser, lamento mas não consigo mudar pneus, montar móveis do IKEA ou matar osgas. Mas enquanto não tenho o meu próprio cavaleiro matador de dragões, vou-me safando com o meu cunhadinho, a quem agradeço ter vindo ao meu auxílio, apesar das posteriores piadinhas. E sinceramente, já estou a habituar-me a morar sozinha, a não ter que esperar para usar a casa de banho, não ter horas para tomar refeições ou para chegar em casa, ou não ter de lutar pelo comando da TV. Vou ter é de comprar outra colher de pau ...