segunda-feira, 28 de abril de 2014

Salve, salve, simpatia! Por Juliana Doretto

Não vou começar dizendo que os brasileiros somos o povo mais simpático do mundo. A minha saudade de casa anda tão aguda que julgo não ter, no momento, capacidade de fazer um julgamento (o mais) racional (possível) sobre o tema.
Mas posso afirmar, com letras garrafais, que nunca a falta de simpatia me provocou tanto desamor quanto neste período em que estou longe do meu lugar. Por outro lado, ando distribuindo beijos e abraços para quem tem comigo um gesto de gentileza ou afabilidade. Devem até pensar que ando louca.
Comecemos pelo lado negativo. No meu aniversário, recebi como surpresa um colorido e perfumado buquê de flores. Mas qual não foi a minha outra surpresa quando a floricultura me ligou e disse que ninguém no meu prédio quis guardar o presente até a minha chegada do trabalho. Não era um chouriço mal cheiroso ou uma escultura enorme de ferro retorcido. Era um ramo de flores, que enfeitaria a casa da pessoa bondosa por pelo menos uma tarde...
O entregador, então, passou a tentar com os vizinhos, e uma senhora de seus 80 anos, que eu não conhecia e que mora a alguns bons metros da minha casa, decidiu guardar o presente. Cheguei do meu jantar comemorativo depois das 22h e, com vergonha, apertei a campainha. Ela e o filho surgiram sorridentes e me entregaram o buquê. Acho que disse tantas vezes obrigada que eles acharam que eu não conhecia outra palavra em português.
Em uma cidade da Espanha, fui até o balcão de informações da estação ferroviária perguntar se tinham o telefone do terminal de ônibus: é de pensar que haja alguma comunicação entre esses lugares, não? “Não sei. Talvez tenha no jornal que circula pela cafeteria”, respondeu-me a encarregada. Enganei-me tanto ao imaginar que ela iria mexer no seu maravilhoso computador com internet e me passar o número?
Por outro lado, chegamos a um restaurante, para comer e passar o tempo enquanto esperávamos a demorada partida do trem. E olhe lá: não é que a dona era brasileira, paulistana “da gema”? Mesmo com a cozinha já fechada, ela preparou um prato para nós, guardou as malas para que pudéssemos fazer um passeio, e ainda brincou: “A única coisa que não faço é emprestar a minha cama para você tirar um cochilo”. Em agradecimento, abracei e beijei minha conterrânea. Acho que, acostumada a gestos mais contidos deste lado do Atlântico, ela estranhou...
E um dia eu fecho a casa com a chave lá dentro – acontece com tudo mundo, ou só comigo? – e bato na porta da vizinha em busca de um possível ajuda. Atende-me uma senhora, e lá de dentro a velhinha, dona da casa, vai logo dizendo: “Avisa que eu não tenho a chave de ninguém aqui”. Indicar um chaveiro para uma estrangeira também é difícil, né? 
Aí, você entrega o seu amado casaco de couro rasgado para o conserto. Preocupada com o estado que a peça terá após a renovação, pergunto como será feita a mudança: vai colar? vai costurar? “Minha colega sabe fazer o trabalho dela”, responde a atendente. Poxa vida, ela poderia entender: a gente desenvolve uma relação emocional com certas roupas...
E quando você sai correndo, atrasada, e a pessoa que está dentro do elevador, em vez de segurar a porta, faz aquela cara de: “Fecha rápido que eu não quero companhia”? Ou quando você impede o fechamento para alguém poder entrar, e ele entra sem dizer um “obrigado”?
Quando uma pessoa esbarra em você e não pede desculpa? Quando você sorri para o vizinho, e ele finge que não o conhece? Custa fazer um agradinho às pessoas?
Para compensar tudo isso, há um senhor que mora no térreo de um prédio mais à frente que sempre me cumprimenta com um: “Olá, viva!” e que me dá tchauzinho quando estou perto da janela, lendo. Há o entregador dos correios que me deseja “bom trabalho”. Há a caixa do supermercado que entende minha dificuldade em me livrar da nota de grande valor e me dá o troco acompanhado de um sorriso. Pequenos gestos que adornam meu dia.
Talvez o Brasil realmente exale camaradagem em maiores doses do que a Europa ou talvez eu só esteja prestando mais atenção aos mal-humorados de plantão que circulam por aqui. Por outro lado, os sinais amistosos que recebo têm tido um peso muito maior no meu dia a dia. Parece que, quando estamos privados de quase tudo que nos é familiar, um sorriso diminui o desamparo e equivale a um abraço amigo. Como diz o mestre Jorge Ben Jor, salve simpatia!
Publicado originalmente em : http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ruth-de-aquino/noticia/2014/04/salve-bsalve-simpatiab-por-juliana-doretto.html

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Da Educação II

Quando vi a notícias sobre a morte dos alunos da Universidade do Minho, o meu primeiro pensamento foi: “Mas eles não deveriam estar nas aulas?!”. Já com o caso do Meco parece que os estudantes universitários fazem tudo, menos estudar. Contudo, a experiência diz-me que estou a ser injusta, pois a Universidade dá-nos a possibilidade de aprender algo que não se ensina em sala de aula: social skills – algo que também não é preciso ir para a Universidade para se aprender.
Dos meus colegas de Curso, os que estão melhor colocados ao nível de carreira, são precisamente aqueles que mais faltavam e alguns chegaram mesmo a desistir do Curso. Dos diretores de hotéis que conheci, muitos não tinham curso superior e os que tinham admitiam (com orgulho) ter sido maus alunos (não só em termos de notas, como de comportamento). Custa-me defender a opção deles, pois é um pouco ingrato não sermos reconhecidos pela nossa capacidade de foco e abnegação. Passei muitas tardes solarengas fechada em casa a estudar e a ver os meus vizinhos na rua a brincar. Exige uma grande força de vontade da nossa parte. Mas, na “vida real” quem tem social skills é rei.
Algo que também ajuda a desenvolver social skills em ambiente de trabalho são os empregos de Verão. Os meus pais nunca quiseram que eu e a minha irmã trabalhássemos, mas que nos dedicássemos aos estudos. Hoje, acredito que é bastante benéfico começar a trabalhar desde cedo e até frequentar a Universidade em regime pós-laboral. Pode-se demorar mais tempo e ter notas piores, mas as boas notas não dão emprego. Se não acreditam em mim, recorde-se que o nosso vice-primeiro ministro formou-se com 12 valores, Alberto João Jardim com 10 valores (e chegou a ser professor universitário), e para não falar da Licenciatura de José Sócrates, ou de como Miguel Relvas comprou a sua, digo obteve equivalências.
Os empregos de Verão ajudam-nos não só em termos de social skills, como a formamos uma noção daquilo que queremos fazer na nossa vida. Quando comecei a trabalhar, a ambição da maioria dos meus colegas de área era trabalhar no departamento comercial de um grupo hoteleiro. Eu tive essa oportunidade e detestei. Senti-me mesmo como peixe fora de água. Faltavam-me as social skills que são necessárias para trabalhar as relações comerciais com os clientes. Ainda recorri a Dale Carnegie, mas não me saía de forma natural. Nos jantares do trade suava em bica e não tocava no meu prato na ânsia de manter sempre a conversa a fluir. Depois fazia-me confusão a naturalidade com que algumas colegas minhas elogiavam as pessoas à sua frente e por detrás falavam mal delas. É que até o Dale Carnegie diz que devemos ser genuínos no afecto demonstrado.
Ser recepcionista foi algo que tentei evitar porque achava que não tinha mesmo competência, mas a vulnerabilidade de um turista deslocado torna o meu afecto genuíno e a relação de empatia que se gera torna o meu desempenho bem sucedido. Para além de elogios de hóspedes, recebia elogios dos meus colegas, até mesmo quanto à forma como mantinha o sorriso em situações de stress – algo que aprendi com um amigo meu que me disse que os hóspedes estão de férias e nós não temos o direito de fazê-los sentir o peso dos nossos problemas. Mas também este emprego não encaixou perfeitamente comigo. Eu não conseguia estabelecer limites. Cheguei a usar do meu tempo pessoal para fazer favores aos hóspedes como ir comprar um novelo de lã e enviar por correio para que uma senhora na Irlanda pudesse terminar uma camisola, ou ir ao Hospital do Algarve de noite deixar o estojo de higiene ao marido hospitalizado, e se não fosse a minha família, teria emprestado dinheiro a um casal que se esquecera da carteira no táxi e tivera de cancelar os cartões de crédito. Se nem o hotel ou o agente de incoming ajudam, porque devo eu preocupar-me.
Adorei ser professora, mais dos adultos do que das crianças (embora me tenha divertido muito), amei o que pude fazer no departamento de recursos humanos do hotel X, e estou a descobrir novos talentos no curso que estou a fazer à noite para além do doutoramento. Brincar com as palavras é o que eu gosto de fazer. Criar ideias e inspirar as pessoas. Só é pena não poder fazer o relógio andar para trás ou pelo menos pará-lo por um tempo. A julgar pelos anúncios de emprego, quem tem mais de 30 é demasiado velho para apostar numa nova carreira.

Laurinha, a tia vai arranjar-te um emprego de Verão, nem que eu tenha de criar uma empresa para te contratar! 

sábado, 19 de abril de 2014

Qual é o plano?

Sábado à noite, em festa de aniversário. Alguém pergunta quem será o mais novo da mesa. A Marisa! Agradeço o elogio e infelizmente não tenho segredo a partilhar, pois deve-se à genética. Na realidade cinco pessoas sentadas àquela mesa são mais novas do que eu. Três mulheres casadas e uma, com apenas 26 anos, já é mãe.
Quando eu era criança, havia um jogo que nós meninas adorávamos brincar. Não me recordo do nome, mas consistia em escolher a idade com que queríamos vir a casar e esse número seria a chave para percorrer uma série de respostas a perguntas como com quem nos casaríamos, de que cor seria o vestido, qual o lugar da lua-de-mel, etc. As idades que apontávamos normalmente rondavam os 22 anos. Através do Facebook tenho reencontrado colegas minhas de escola que conseguiram realizar esse plano. No meu caso, vinte anos depois, a minha vida não correu nada de acordo com o que eu previra.
No ensino básico queria ser professora de inglês; no final do ensino secundário quis ser jornalista; na universidade vi-me inscrita em Direito e acabei por me formar em Turismo, curso que nunca me passou pela cabeça, embora fizesse sentido, dado o meu local de nascimento e residência.
Quando frequentava o curso de Turismo, queria conseguir um emprego na Câmara Municipal de Portimão e lá ficar até à reforma. Não aconteceu. Estou sem carreira e, francamente, sem sentido de vocação.
Concluída a Universidade, não se seguiu o casamento. Aliás, aos 25 anos já havia posto de parte esse plano quando conheci o meu primeiro namorado. Ser mãe, então, está-me interdito pelas vicissitudes da minha vida.
Comprar casa dificilmente acontecerá. A carta de condução e o carro só aconteceram aos 21 mais um ano, para ganhar confiança, o que foi triste para uma pessoa que sonhara ser a primeira criança a quem o Presidente Mário Soares concederia o privilégio de conduzir um Fiat Uno cinzento (o meu carro de eleição na altura).

Enfim, resta-me o facto de não parecer, ou sentir, a minha idade, e poder assim alimentar a esperança de vir a realizar os meus sonhos de menina.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

WTF

Este fim-de-semana fui assistir a um congresso na Universidade Nova de Lisboa. Regressada ao auditório após o coffee-break e enquanto aguardava o início das palestras, escutei inadvertidamente uma conversa entre alunos da ESHTE que estavam sentados atrás de mim. Pelo que percebi, um director de um hotel que foi convidado a participar num seminário nesta Escola terá defendido que os estagiários não só não devem ser remunerados como deveriam ainda pagar às empresas que os acolhem, pois dão muito trabalho e despesas. A minha reacção foi: WTF!
Desde que comecei a trabalhar em hotelaria, há sete anos, que sempre me deparei com uma proporção desajustada entre colaboradores permanentes e estagiários. Num mundo ideal, o senhor director teria razão e faria sentido as escolas pagarem às empresas para acolherem estagiários, sendo que haveria uma pessoa designada para integrar e acompanhar o estagiário no seu departamento, assim como um plano de estágio e um horário adequados à condição de estudante.  No mundo real isso não acontece e os estagiários substituem colaboradores que estão de férias ou que foram downsized.
Ora diz o IEFP que o estágio é “o desenvolvimento de uma experiência prática em contexto de trabalho, que não pode consistir na ocupação de posto de trabalho”. Há uns anos a esta parte os estágios tornaram-se política comum de recrutamento das empresas, até ao exagero, propiciado pelas medidas de estímulo ao emprego do Estado, de se verem anúncios que declaram sem pudor “Procura-se estagiário”. Os estágios não se procuram, oferecem-se. Nem que seja como parte da sua política de responsabilidade social, a empresa aceita acolher um aluno para aprender, supervisionado, o exercício de uma função e não assumir sozinho a responsabilidade por ela.
Quanto aos custos, no caso dos estágios curriculares as empresas não têm de atribuir qualquer remuneração pecuniária aos alunos, e no caso dos estágios profissionais, ainda gozam dos apoios públicos. Nos hotéis, o custo a que o senhor director se deve referir são simplesmente as refeições na cantina dos colaboradores (um excelente acordo, diria a Dra. Isabel Stilwell).

O que mais me admira é que a forma como os estágios estão a ser encarados pelas empresas não só é moralmente questionável como de eficácia duvidosa. Os serviços baseiam-se em interacções complexas e únicas entre cliente e prestador, sobretudo em serviços com elevado contacto pessoal, como na hotelaria, motivo pelo qual são aspectos fundamentais as políticas de recursos humanos. Os estágios têm uma rotação intensiva o que afecta a qualidade e consistência do serviço prestado. Então isto será esperteza saloia ou tiro no pé?

terça-feira, 8 de abril de 2014

Amizade masculina

Se a reencarnação for possível, quero regressar como homem. Para além de eles auferirem um salário 20% superior ao nosso e não terem de passar pelos suplícios das mulheres como a menstruação, depilação, celulite, gravidez, maquilhagem e salto alto, sabem o que é ser e ter amigos (homens) verdadeiros.
A amizade masculina é um laço inquebrável que resiste ao tempo e às mudanças naturais da vida. Quantas de nós já nos afastamos das nossas amigas por causa de um namorado? E quantos homens conhecem que fizeram o mesmo? O Barney da deliciosa série norte-americana “How I met your mother”, menciona várias vezes a máxima “Bros before hoes”, e não se aplica necessariamente a uma disputa pela mesma mulher, mas também ao não esquecer-se dos amigos e deixar de conviver com eles quando namora ou casa.
A amizade masculina também não julga, antes perdoa e mantém-se fiel. Quando algum amigo comete uma falha perante alguém, incluindo a outro amigo, os homens não julgam, deixam que com o tempo o amigo reconheça o erro e regresse aos bons hábitos.  Quantas vezes as nossas “girls’ talks” descambam para temas fracturantes e provocam um mal-estar no grupo que se prolonga de forma indeterminada? Nós somos muito complicadas, analisamos demasiadamente as ocorrências. Os homens simplificam e regressam ao futebol, entre outros tópicos de conversa, que não causam muita mossa em caso de discórdia. Eu acho que não é por acaso, mas antes fruto da notável racionalidade masculina, enquanto nós, mulheres, somos mais emotivas.
“Bro” ou “Mano” ou “Meu irmão”, a gíria espelha o facto de que no masculino, os amigos são irmãos de coração. Quando algum dos amigos ou seus familiares precisa de alguma coisa, os homens estão lá presentes, nem que seja para ajudar a passar o tempo. Quantas amigas são assim tão solidárias?

Senhoras, temos de dar o braço a torcer: na arte da amizade, eles levam a taça!