Não vou começar dizendo que os brasileiros somos o povo mais simpático do mundo. A minha saudade de casa anda tão aguda que julgo não ter, no momento, capacidade de fazer um julgamento (o mais) racional (possível) sobre o tema.
Mas posso afirmar, com letras garrafais, que nunca a falta de simpatia me provocou tanto desamor quanto neste período em que estou longe do meu lugar. Por outro lado, ando distribuindo beijos e abraços para quem tem comigo um gesto de gentileza ou afabilidade. Devem até pensar que ando louca.
Comecemos pelo lado negativo. No meu aniversário, recebi como surpresa um colorido e perfumado buquê de flores. Mas qual não foi a minha outra surpresa quando a floricultura me ligou e disse que ninguém no meu prédio quis guardar o presente até a minha chegada do trabalho. Não era um chouriço mal cheiroso ou uma escultura enorme de ferro retorcido. Era um ramo de flores, que enfeitaria a casa da pessoa bondosa por pelo menos uma tarde...
O entregador, então, passou a tentar com os vizinhos, e uma senhora de seus 80 anos, que eu não conhecia e que mora a alguns bons metros da minha casa, decidiu guardar o presente. Cheguei do meu jantar comemorativo depois das 22h e, com vergonha, apertei a campainha. Ela e o filho surgiram sorridentes e me entregaram o buquê. Acho que disse tantas vezes obrigada que eles acharam que eu não conhecia outra palavra em português.
Em uma cidade da Espanha, fui até o balcão de informações da estação ferroviária perguntar se tinham o telefone do terminal de ônibus: é de pensar que haja alguma comunicação entre esses lugares, não? “Não sei. Talvez tenha no jornal que circula pela cafeteria”, respondeu-me a encarregada. Enganei-me tanto ao imaginar que ela iria mexer no seu maravilhoso computador com internet e me passar o número?
Por outro lado, chegamos a um restaurante, para comer e passar o tempo enquanto esperávamos a demorada partida do trem. E olhe lá: não é que a dona era brasileira, paulistana “da gema”? Mesmo com a cozinha já fechada, ela preparou um prato para nós, guardou as malas para que pudéssemos fazer um passeio, e ainda brincou: “A única coisa que não faço é emprestar a minha cama para você tirar um cochilo”. Em agradecimento, abracei e beijei minha conterrânea. Acho que, acostumada a gestos mais contidos deste lado do Atlântico, ela estranhou...
E um dia eu fecho a casa com a chave lá dentro – acontece com tudo mundo, ou só comigo? – e bato na porta da vizinha em busca de um possível ajuda. Atende-me uma senhora, e lá de dentro a velhinha, dona da casa, vai logo dizendo: “Avisa que eu não tenho a chave de ninguém aqui”. Indicar um chaveiro para uma estrangeira também é difícil, né?
Aí, você entrega o seu amado casaco de couro rasgado para o conserto. Preocupada com o estado que a peça terá após a renovação, pergunto como será feita a mudança: vai colar? vai costurar? “Minha colega sabe fazer o trabalho dela”, responde a atendente. Poxa vida, ela poderia entender: a gente desenvolve uma relação emocional com certas roupas...
E quando você sai correndo, atrasada, e a pessoa que está dentro do elevador, em vez de segurar a porta, faz aquela cara de: “Fecha rápido que eu não quero companhia”? Ou quando você impede o fechamento para alguém poder entrar, e ele entra sem dizer um “obrigado”?
Quando uma pessoa esbarra em você e não pede desculpa? Quando você sorri para o vizinho, e ele finge que não o conhece? Custa fazer um agradinho às pessoas?
Para compensar tudo isso, há um senhor que mora no térreo de um prédio mais à frente que sempre me cumprimenta com um: “Olá, viva!” e que me dá tchauzinho quando estou perto da janela, lendo. Há o entregador dos correios que me deseja “bom trabalho”. Há a caixa do supermercado que entende minha dificuldade em me livrar da nota de grande valor e me dá o troco acompanhado de um sorriso. Pequenos gestos que adornam meu dia.
Talvez o Brasil realmente exale camaradagem em maiores doses do que a Europa ou talvez eu só esteja prestando mais atenção aos mal-humorados de plantão que circulam por aqui. Por outro lado, os sinais amistosos que recebo têm tido um peso muito maior no meu dia a dia. Parece que, quando estamos privados de quase tudo que nos é familiar, um sorriso diminui o desamparo e equivale a um abraço amigo. Como diz o mestre Jorge Ben Jor, salve simpatia!
Publicado originalmente em : http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ruth-de-aquino/noticia/2014/04/salve-bsalve-simpatiab-por-juliana-doretto.html